Barroso pediu que o governo atualize as informações sobre as câmeras usadas pelos PMs. Em setembro deste ano, o estado de SP assinou um contrato para a nova aquisição de equipamentos onde o agente é responsável pela escolha de gravar ou não uma ocorrência. A gestão tem prazo de cinco dias para responder. Policiais militares do estado de SP usam câmeras corporais na farda
Reprodução/TV Globo
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, determinou nesta quinta-feira (21) que o governo de São Paulo preste esclarecimentos sobre o uso das novas câmeras corporais adquiridas pelo estado. A gestão tem prazo de cinco dias para responder.
Em setembro deste ano, a PM assinou o contrato para a aquisição de 12 mil novas câmeras corporais com a empresa Motorola Solutions Ltda., vencedora da licitação. Na nova aquisição, a gestão optou por equipamentos que gravam de forma intencional, ou seja, o policial será responsável pela escolha de gravar ou não uma ocorrência.
A decisão é resposta a uma ação da Defensoria Pública, que em abril deste ano pediu que o STF analisasse o uso do equipamento no estado. Na época, o pedido foi indeferido. Em junho, quando a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) lançou novo edital para adquirir novas câmeras, com mudanças em relação ao sistema em funcionamento, o pedido foi novamente analisado.
Na época, o estado prestou informações sobre o andamento da licitação e da contratação de solução integrada de gestão, captação, transmissão, armazenamento, custódia e compartilhamento de vestígios digitais por câmeras operacionais portáteis nas atividades policiais.
No entanto, com o monitoramento da ação, Barroso alegou na decisão desta quinta que “as informações prestadas, contudo, são insuficientes para o adequado monitoramento dos compromissos assumidos.”
Entre os pedidos, o presidente do STF solicitou detalhes adicionais sobre:
O Contrato: anexar o contrato completo (nº DTIC – 010/183/24) e outros contratos vigentes relacionados ao fornecimento de câmeras corporais, incluindo anexos e termos aditivos;
Cronograma de Execução: apresentar um cronograma detalhado da execução do contrato, que inclua testes, treinamento, capacitação e a implantação dos novos equipamentos;
Relatórios de Testes: entregar relatórios detalhados sobre todos os testes realizados, incluindo indicadores de monitoramento e avaliação, além de uma conclusão sobre a efetividade dos equipamentos;
Desenvolvimento do Software: esclarecimentos sobre o estágio atual do desenvolvimento do software que permitirá a gravação em modo “remoto automático” são exigidos, incluindo um cronograma para testes e implantação.
Decisão ocorre um dia após a morte do estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, que foi baleado com um tiro à queima-roupa na quarta-feira (20) por um PM.
Quem era o estudante de medicina morto pela PM em hotel
Reprodução
Os agentes usavam câmeras corporais, mas ainda não se sabe se elas registraram a ocorrência. Cláudio Silva, ouvidos das Polícias de SP, afirmou que “se luzes estavam piscando, as câmeras estavam gravando.” Ele disse que vai requisitar as imagens.
A morte foi registrada por uma câmera de segurança do estabelecimento. Os PMs Guilherme Augusto Macedo e Bruno Carvalho do Prado, envolvidos na ocorrência, foram afastados de suas funções até o final das investigações.
Marco Aurélio foi levado para o Hospital Ipiranga. Ele teve duas paradas cardiorrespiratórias e passou por uma cirurgia. Contudo, ele não resistiu aos ferimentos e morreu por volta das 6h40.
✅ Clique aqui para se inscrever no canal do g1 SP no WhatsApp
LEIA MAIS:
Pai de estudante de medicina de 22 anos morto pela PM em SP conta que viu o filho vivo no hospital: ‘Me ajuda, dizia ele’
‘O que está acontecendo com a polícia brasileira?’, questiona mãe de estudante de medicina de 22 anos morto pela PM em SP
Novas câmeras
O contrato foi assinado após seis empresas apontarem, em julho, falhas em testes técnicos e direcionamento no pregão para que a Motorola vencesse a licitação. Entre as acusações, as empresas argumentam que houve favorecimento da empresa vencedora e que o equipamento oferecido por ela tem um botão de “excluir”, mesmo com o edital “vedando a exclusão manual dos arquivos”.
Na homologação do contrato, a PM disse que a empresa afirmou que o botão de exclusão é um “filtro seletivo e não de uma função de exclusão”.
“As recorrentes teriam apontado a presença de um botão de exclusão de vídeo, o que teria sido refutado pela recorrida [Motorola], a qual explicou que se tratava de um filtro seletivo, e não de uma função de exclusão, desse modo, o órgão licitante confirmou que essa funcionalidade adicional seria testada na fase de entrega da solução”, descreveu a corporação.
Gravação intencional
Na prática, a mudança pode dificultar investigações de atos de violência policial porque deixará a decisão sobre ligar ou não o equipamento a cargo dos agentes. Especialista ouvido pelo g1 aponta que quando a câmera não é usada durante todo o turno policial pode:
aumentar o uso da força de forma indiscriminada e sem controle;
dificultar a produção de provas para investigações;
diminuir a proteção do próprio policial que possa estar numa situação de risco e/ou ter sua conduta questionada.
Atualmente, há 10.125 câmeras em operação no estado que foram compradas por meio de dois contratos, e as gravações são divididas em duas categorias: de rotina e intencionais. Todas elas serão substituídas pelos novos equipamentos e 2 mil novas serão compradas.
Os vídeos de rotina registram todo o turno do policial e são obtidos sem o acionamento, portanto gravam de forma ininterrupta. Atualmente, os PMs não têm autonomia para escolher o que desejam registrar. Tudo é gravado, ao menos em vídeo. O que eles podem fazer é acionar para ativar o som e melhorar a qualidade da imagem.
As imagens ficam arquivadas por 90 dias no sistema do Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) e, para reduzir os custos, a resolução delas é menor e sem o som ambiente.
Já os vídeos intencionais são obtidos pelo acionamento proposital do policial e ficam guardados por um ano. Elas também possuem som ambiente e resolução superior às gravações de rotina.
No novo edital, não há menção às gravações rotineiras, somente às intencionais. O documento também informa que o acionamento para captura de imagens poderá ser feito de forma remota pelo Copom ou pelo próprio policial. Além disso, os vídeos serão transmitidos ao vivo (live streaming) pela internet para a central da corporação.
Morte de estudante
Marco Aurélio Cardenas Acosta, estudante de medicina morto pela PM em SP
Reprodução/Instagram
Uma câmera de segurança do hotel registrou o momento que o estudante é assassinado às 2h49 (veja acima). Um dos agentes tentou puxar Marco Aurélio pelo braço, enquanto o outro o chutou. Em seguida, o estudante segurou a perna do policial, que caiu no chão.
Durante a confusão, o PM Guilherme atirou na altura do peito do estudante. No boletim de ocorrência, os policiais alegaram que o jovem teria tentado pegar a arma de Bruno.
O caso foi registrado no Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) como morte decorrente de intervenção policial e resistência.
Durante a abordagem, os policiais estavam com as câmeras corporais acopladas ao uniforme. Entretanto, no BO, é informado que os agentes não usaram o equipamento.
Claudio Silva, ouvidor das Polícias de São Paulo, afirmou que a ação é “mais um reflexo da lógica que está instalada no estado de São Paulo, de polícia que mata. Polícia que não respeita a vida”.
Segundo ele, é possível ver, pelas imagens da câmera de segurança, que “os policiais estão numericamente superiores à pessoa abordada, e o abordado, sem camisa, então, desarmado. E os policiais não fazem o uso progressivo da força, como está determinado por normas internas da própria Polícia Militar, então o uso excessivo da força foi feito. Isso culminou com a morte daquele jovem abordado”.
Estudante de Medicina Marco Aurélio e o pai
Reprodução/Arquivo pessoal
Fonte: G1