As intoxicações por agrotóxicos atingem, em média, 50 bebês de 0 a 1 ano por ano Brasil. Entre os adultos, a média é de 15 contaminações, adianta a especialista em agrotóxicos Larissa Bombardi, que organiza uma nova edição do atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”, com previsão de ser publicado ainda este ano.
(Correção: O g1 errou ao informar que a média de intoxicações por agrotóxicos era 50 bebês e 15 adultos por dia. O correto é que 50 bebês e 15 adultos são intoxicados por ano, no Brasil. A informação foi corrigida às 12h43 desta quinta-feira).
Os dados foram consolidados por ela a partir de registros do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.
“Agravos de notificação são doenças que precisam ser reportadas pelos estados de forma obrigatória, como doenças infecciosas, Aids”, explica Larissa. “No Brasil, as notificações por intoxicação por agrotóxicos são obrigatórias desde 2011“, destaca.
Ela, que é professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), publicou o primeiro relatório no Brasil em 2017, com dados de 2007 a 2014. Na União Europeia, o documento foi lançado há três anos e chegou a gerar um boicote de uma rede de supermercados escandinava a produtos brasileiros.
Após esse episódio, a professora teve o seu trabalho atacado publicamente por entidades e figuras públicas do agronegócio, além de ter recebido ameaças indiretas à sua integridade física, o que a fez deixar o Brasil no ano passado, com seus dois filhos pequenos, rumo à Bélgica, onde conquistou uma bolsa de pesquisa.
Larissa, que continua morando fora do país, trabalha, agora, em uma nova edição do atlas, que trará um panorama das intoxicações entre 2010 e 2019. Na nova pesquisa, ela identificou um aumento dos casos.
“Os números me chocaram, pois só aumentaram. Pela média, são 15 pessoas intoxicadas por ano. No antigo levantamento, eram 10. Entre os bebês de 0 a 1 ano, a média de intoxicações passou de 43 para 50 (ao ano). Essa alta tem se mantido para todos os recortes que tenho feito”, afirma Larissa.
Ao g1, a CropLife Brasil, entidade que representa as fabricantes de defensivos agrícolas, afirmou que o critério para a liberação de agrotóxicos no Brasil é “baseado em ciência” e “orientado por metodologias consolidadas internacionalmente” (veja nota completa no final da reportagem) .
Mortes por agrotóxicos
A contaminação por agrotóxicos também provoca mortes. No Brasil, são dois óbitos a cada dois dias e cerca de 20% das vítimas são crianças e adolescentes de até 19 anos, aponta um outro documento de Larissa, lançado na última semana, pela rede de ambientalistas Friends of the Earth Europe, organização que reúne ONGs e pesquisadores.
O relatório, que é assinado em parceria com a especialista holandesa em comércio Audrey Changoe, também usa a base de dados do Sinan, do Ministério da Saúde.
Europa é maior fabricante
Para Larissa, um dos pontos centrais deste debate, atualmente – e que, para ela, está por trás do aumento das intoxicações – é a aliança entre grandes empresas europeias que fabricam e exportam os agrotóxicos para o Brasil e o agronegócio nacional.
“Empresas europeias, como a Bayer/Monsanto e a Basf, que estão liderando os fabricantes europeus de agrotóxicos, têm promovido o acordo comercial UE-Mercosul através de grupos de lobby. Esse lobby tem buscado aumentar o acesso ao mercado para alguns de seus agrotóxicos mais danosos ao unir forças com associações brasileiras do agronegócio”, afirma o relatório da Friends of the Earth.
O documento da rede ambientalista aponta que, nos últimos três anos, Bayer e Basf juntas, tiveram 45 novos agrotóxicos aprovados no Brasil, sendo que 19 deles contêm substâncias proibidas na União Europeia.
Uma delas é o Fipronil, que é neurotóxico e está associado à morte de abelhas. Tem ainda o Dinotefuran, que também impacta abelhas; o Imazethapyr, que causa problemas respiratórios em humanos e é tóxico para plantas aquáticas e o Clorfenapir, que é altamente prejudicial para aves e abelhas.
‘Lobby do agronegócio’
Segundo o documento, uma estratégia de lobby usada pelas empresas de agrotóxico da União Europeia é “financiar vozes de terceiros para promover seus interesses comerciais“.
“Do lado brasileiro, o laboratório de ideias Instituto Pensar Agro promove mais uso de agrotóxicos e minimiza o papel do agronegócio no desmatamento. O Instituto Pensar Agro trabalha em parceria com tomadores de decisão do influente bloco do agronegócio no Congresso brasileiro”, destaca o relatório.
O g1 entrou em contato com o Instituto Pensar Agro, mas não teve retorno até a última atualização desta reportagem.
As pesquisadoras citam um levantamento feito pela rede “De Olho nos Ruralistas” que apontou que, entre 2019 e 2021, mais de 200 reuniões foram feitas entre o Instituto Pensar Agro e membros do governo Jair Bolsonaro.
“Fazendo isso, eles têm apoiado uma agenda legislativa que procura minar direitos indígenas, remover proteções ambientais e legitimar o desmatamento. Através dos poderosos grupos de lobby do agronegócio do Brasil – como o CropLife Brasil, fundado pela Bayer – as empresas europeias de agrotóxicos apoiam esforços que enfraquecem medidas de proteção ambiental”, acrescenta.
Uma dessas medidas, segundo o relatório da rede ambientalista, seria o apoio à aprovação do projeto de lei dos agrotóxicos (PL 6299/02), que muda as regras de liberação desses produtos. O texto, que tramita no Congresso, é chamado por ambientalistas de “PL do Veneno”.
O g1 procurou a Bayer, a Basf e Syngenta, que afirmaram reforçar o posicionamento da CropLife Brasil, organização que representa todo o setor. Em nota, a entidade disse que, em sua avaliação:
“[…] a modernização da legislação vigente, por exemplo, é condição para a garantia de um futuro sustentável. Nesse cenário, a aprovação do PL 6299/02 permitirá o acesso mais rápido a tecnologias mais modernas, seguras e eficazes, que, em geral, têm sido disponibilizadas aos produtores agrícolas de países desenvolvidos de cinco a oito anos antes do que aos nossos agricultores, o que reduz a competitividade do agronegócio brasileiro”.
Quem discorda do projeto, ressalta, por exemplo, que a legislação proposta dá menor poder ao Ibama e à Anvisa no processo de autorização de novos registros – as duas entidades avaliam o risco ambiental e aos humanos, respectivamente, do uso dos agrotóxicos.
Já quem concorda, afirma que o projeto moderniza a legislação, ao agilizar os registros e seguir padrões internacionais de aprovações.
Nota completa da CropLife
“Em resposta ao relatório “Comércio tóxico – A ofensiva do lobby dos agrotóxicos da União Europeia no Brasil”, publicado em 28 de abril de 2022 pelas entidades Friends of the Earth e Seattle to Business Network, a CropLife Brasil vem a público esclarecer algumas afirmações trazidas pelo conteúdo e que não correspondem à realidade dos fatos.
A CropLife Brasil é uma associação que reúne especialistas e empresas que atuam na pesquisa e desenvolvimento de tecnologias em quatro áreas essenciais para a produção agrícola sustentável: germoplasma (mudas e sementes), biotecnologia, defensivos químicos e produtos biológicos. Criada em 2019, a organização é resultado da união de entidades que antes representavam cada um destes setores individualmente (Andef, CIB, ABCBio, AgroBio e Braspov).
Defendemos soluções integradas para a agricultura brasileira em parceria com diferentes segmentos da sociedade, incluindo mais de 50 empresas, públicas e privadas, brasileiras e estrangeiras, entidades da sociedade civil e academia científica.
Trabalhamos ainda pela promoção da inovação em tecnologias de proteção e melhoramento de plantas, que trazem impactos positivos nas dimensões ambientais, sociais e econômicas da produção agrícola. A associação fomenta ainda a educação para o uso correto das tecnologias no campo e permitindo que produtores possam usufruir de seus benefícios de forma segura. Todas as práticas são alicerçadas em anos de pesquisa e pela experiência de agricultores no mundo todo. Dessa maneira, sustentabilidade é uma realidade com a qual nos comprometemos, não apenas um discurso.
Adicionalmente, a CropLife Brasil tem como missão dialogar com a opinião pública sobre tendências para a agricultura brasileira. Em nossa avaliação, a modernização da legislação vigente, por exemplo, é condição para a garantia de um futuro sustentável. Nesse cenário, a aprovação do PL 6299/02 permitirá o acesso mais rápido a tecnologias mais modernas, seguras e eficazes, que, em geral, têm sido disponibilizadas aos produtores agrícolas de países desenvolvidos de cinco a oito anos antes do que aos nossos agricultores, o que reduz a competitividade do agronegócio brasileiro.
A associação está comprometida em apoiar os agricultores no enfrentamento dos desafios decorrentes das mudanças climáticas e busca soluções que aumentam a resiliência e a produtividade no campo. Dessa maneira, respaldamos a construção de marcos regulatórios que, ao mesmo tempo, dialogam com a contemporaneidade e têm potencial de melhorar a capacidade de resposta da agricultura no longo prazo. O aumento da oferta e da diversidade de fornecedores e origens para os insumos de defesa vegetal é uma maneira de favorecer o abastecimento de alimentos para uma população crescente.
Por fim, ao contrário do que o relatório diz, somos firmes em nosso apoio às regulamentações que favoreçam o avanço da inovação agrícola. Consideramos que o critério decisivo para a avaliação e aprovação de moléculas, princípios ativos ou quaisquer outras soluções agrícolas seja baseado em ciência, orientado por metodologias consolidadas internacionalmente e parâmetros de segurança para consumo de alimentos determinados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e Codex Alimentarius. Entendemos que tecnologia e inovação são ferramentas essenciais para a produção de alimentos seguros e saudáveis de maneira sustentável.”
Fonte: G1