Quando o mundo conheceu os efeitos da microcefalia associada ao vírus zika em famílias brasileiras, foi por meio de uma foto com o rosto da pernambucana Solange Ferreira, de 39 anos, e de seu bebê, José Wesley. Em dezembro, pouco depois da descoberta da malformação, eles conheceram o fotógrafo Felipe Dana, da agência Associated Press.
Desde então, Solange se mudou de cidade para ficar mais perto dos familiares e diz que as fotos a tornaram conhecida, mas que ainda aguarda o início das sessões de reabilitação do filho, que já tem quatro meses.
“O que eu mais queria mesmo era que começassem logo esses tratamentos dele, para não ficar mais atrasado do que já está”, diz, angustiada. Acostumada a misturar os nomes dos filhos – Elielson, de 16 anos, Elisson, de 10 anos e Elenilson, de 5 anos – ela diz que se espanta ao conseguir falar corretamente o nome de José Wesley quando dá entrevistas.
“Finalmente conseguir falar Wesley sem errar. Quando eu vou chamar um, chamo o outro. Imagina se eu também tivesse colocado o nome dele com E? Ainda bem que mudei pra José.”
Solange foi fotografada pela primeira vez quando ainda vivia em Santa Cruz do Capibaribe, no sertão de Pernambuco. Há menos de um mês, mudou-se para Bonito, que fica mais perto da capital, Recife. O pai dos quatro meninos, no entanto, ficou na outra cidade. “Ele vive a vida dele pra lá, eu vivo a minha pra cá. De vez em quando ele vem ver os meninos, manda uns R$ 200”, conta ela.
Depois de deixar o emprego de doméstica para cuidar do filho, ela tem apenas os R$ 259 mensais que recebe do Bolsa Família como renda fixa. “Quando minha família tem condições, ajuda. Quando não tem, a gente vai passando. Para tudo Deus dá um jeito.”
Bebê ‘do balde’
Na nova rotina da família, os três garotos mais velhos se revezam nos cuidados e nas tentativas de acalmar o bebê. Sem orientação especializada, Solange e os filhos usam seus próprios métodos de estímulo, que incluem música gospel e banhos no balde d’água.
“Para mim ele é normal. Eu sei (que ele tem microcefalia), já vi nos exames dele, o médico já falou, mas eu crio ele como um menino normal. Tenho mais cuidado com ele do que tive com os outros, mas também não é muito paparicado não, porque fica pior pra ele. Se um (filho) com saúde é ruim paparicar, imagine um doente, como é que vai ser?”, diz.
Os banhos de balde, recomendados por especialistas para relaxar bebês, são um hábito antigo, ela nem se recorda onde aprendeu.
“Isso é método meu mesmo. Nem adianta comprar banheira. Se não é balde d’água é debaixo do chuveiro, na pia, onde tem água eu estou mergulhando ele. Todos os meus meninos foram criados assim”, relembra.
“Com ele eu achei diferente porque quando ele chorava muito, eu o colocava dentro d’água e ele se acalmava. Aí pensei: ‘pronto, esse daqui gosta mais de água do que os outros’.”
José Wesley ainda não passou pelos exames de visão e audição. Por isso, Solange ainda não sabe a extensão das limitações provocadas pela microcefalia. “Até agora, a enfermeira sou eu mesma”, diz.
A mudança de cidade e a falta de informações sobre os próximos passos foram responsáveis pela demora. O contato de Felipe Dana, o fotógrafo da AP, com a neuropediatra Vanessa van der Linden, diretora da AACD em Recife, foi determinante para que José Wesley conseguisse sessões de fisioterapia.
“Nós conseguimos o telefone dela e ligamos para marcar. Terminei chamando muitas mães desse jeito, porque não estavam chegando aqui. Abrimos mais vagas, mas elas precisam saber que têm que vir pra cá. Ainda parece haver uma falha no encaminhamento”, disse Van der Linden à BBC Brasil.
O governo de Pernambuco anunciou, em dezembro, que capacitaria profissionais e centros de saúde em cidades grandes do interior, como Caruaru – onde Solange foi atendida inicialmente – para realizarem o estímulo necessário aos bebês microcéfalos. Mas a maioria das mães ainda precisa ir para a capital em busca do tratamento.
BBC Brasil