Chuva, trovões e um apagão provocado por uma pane no fornecimento de energia ameaçaram estragar a festa, na primeira noite de desfile das escolas de samba do grupo Especial do Carnaval de São Paulo. Mas foi só mesmo um susto. Mesmo com a pista molhada, o sambódromo viveu momentos de beleza, criatividade e empolgação. Empurrada pela força da torcida corintiana, maioria absoluta nas arquibancadas, a Gaviões da Fiel deixou a passarela do samba sonhando com o título. A Rosas de Ouro, com um bem contado enredo sobre a história da tatuagem no mundo, também saiu da pista cotada para brigar pelo campeonato, que lhe tem escapado por detalhes nos últimos anos. Correndo por fora, a Unidos de Vila Mariae a Águia de Ouro fecham o bloco dos destaques da primeira noite. Acadêmicos do Tatuapé, Nenê e Pérola Negra completaram a primeira noite da maratona do samba paulistano.
Nas vésperas do desfile, o carnavalesco Fábio Borges dizia que não se preocupava com o fato de a Pérola Negra ser a primeira escola a entrar na avenida, mas ele não conseguiu escapar da maldição da abertura. Horas antes do desfile, desabou um temporal em toda a região do Anhembi, que provocou alagamento na pista e até uma rápida queda de energia que deixou o sambódromo iluminado apenas pelas luzes de emergência. Os contratempos acabaram influindo diretamente na qualidade do desfile da escola da Vila Madalena.
A água danificou parte das fantasias e atrapalhou a montagem das alas na concentração. Para piorar, dois dos cinco carros alegóricos tiveram dificuldade para entrar na pista e comprometeram demais a evolução da escola. Com apenas 18 minutos de desfile, já era possível identificar alguns buracos entre as alas, a ponto de a direção de harmonia ter pedido para a comissão de frente desacelerar o passo a fim de dar tempo de recompor a unidade do desfile. Perto do final, algumas alas correram para não estourar o tempo de 65 minutos.
Mais uma vez, a escola da Pompéia fez um desfile clássico, daqueles que costumam agradar aos jurados. Mas nem por isso faltou emoção. Em muitos momentos da passagem da escola era possível identificar fervor na forma como os componentes cantavam o samba e evoluíam ao som da bateria sempre afiada de Mestre Juca. Parecia uma procissão de fé. É preciso destacar o esmero das fantasias e a grandiosidade dos carros alegóricos, ricamente decorados com espelhos, pedrarias, neon e tecidos dourados. Pena que alguns deles pareciam releituras de alegorias já utilizadas no passado por outras escolas, como os do Egito e da Grécia. Muito boa a comissão de frente, em que pesem os problemas técnicos que atrapalharam a “aparição” da Virgem Maria e que podem acabar custando pontos preciosos na apuração das notas. Mas, no todo, foi um desfile elogiável.
Com a estreia de um novo carnavalesco – o carioca André Cezari – a Rosas de Ouro entrou na avenida com a expectativa de, enfim, fazer um desfile campeão. Apesar de um ótimo samba e de um excelente refrão (“eu vou tatuar no seu coração/pra vida inteira/és meu amor/eterna como o tempo/Roseira”) a escola chegou a empolgar a plateia em alguns momentos. O enredo sobre a história da tatuagem, de fácil assimilação, foi muito bem contado, com referências aos desenhos no corpo feitos pelo homem desde a Idade da Pedra. Estavam ali bem representadas as tatuagens dos índios, povos astecas, indianos, esquimós e em tribos urbanas mais modernas como os roqueiros, skatistas, surfistas, punks e metaleiros.
Faltaram, no entanto, o luxo das fantasias, tão comum à tradição da Rosas, e uma melhor concepção visual das alegorias. A melhor delas estava no quarto carro, com a boa representação da antiga Casa de Detenção de São Paulo, incluída no enredo por conta de a tatuagem ser um espécie de código de hierarquia e poder entre os presidiários. Não dá para dizer que foi um desfile memorável, mas não se pode negar a qualidade de uma apresentação que praticamente não teve erros.
A homenagem a Cláudia Raia era a grande aposta da Nenê de Vila Matildepara voltar a ser campeã após 14 anos de jejum. Mas, apesar da força do personagem e da boa construção do enredo em cima dos grandes sucessos da atriz no cinema, teatro e televisão, a escola pode pagar caro pela simplicidade das fantasias e pelos equívocos de acabamento dos carros alegóricos, coisas que os jurados não costumam perdoar na avaliação. Mesmo assim, a comunidade matildense vestiu a camisa com a garra de sempre e deu um show de animação na avenida. A sensação é de que os componentes da escola foram para a avenida como se fossem para uma festa, e o resultado disso foi uma verdadeira celebração.
A ideia de fazer do desfile um grande musical a céu aberto deu certo. Pena que a própria homenageada ficou meio escondida em cima do quinto e último carro da escola, que fazia referência à Beija-Flor, escola da qual a atriz é madrinha e onde desfila há 30 anos. Para compensar, sua filha Sophia, deu show de simpatia dançando balé na comissão de frente, representando a mãe em início de carreira.
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