Insuflados pela movimentação promovida pelo Palácio do Planalto para garantir apoio contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff, os caciques do PMDB estão em pé de guerra, divididos entre os grupos do vice-presidente Michel Temer, beneficiário direto do impedimento de Dilma, e o de Renan Calheiros (AL), presidente do Senado e visto como fiel da balança contra o processo de cassação de Dilma.
Além das negociações para a recondução de Leonardo Picciani (RJ) à liderança do partido na Câmara, os três principais caciques do Senado — Renan, o líder Eunício Oliveira (CE) e o segundo vice-presidente da Casa, Romero Jucá (RR) — já fecharam um acordo que dá a Eunício a vaga de presidente do Senado, no lugar de Renan, a partir do ano que vem; e a Jucá a vaga de Temer na presidência do partido já em março. Mas, para tal, será preciso derrotar o vice-presidente, que reina soberano no comando do partido desde 2001.
— Já combinaram com os russos? O líder mais forte hoje no partido é o Michel. A unidade é incondicional nesse momento. Hoje, mais de 80% do partido, que olha além dos interesses da Câmara e do Senado, quer unidade. Discussão de nomes é para depois — diz o secretário geral do PMDB, o ex-ministro Eliseu Padilha, principal articulador do grupo de Temer.
A guerra desembocará na convenção nacional do PMDB, em março, quando serão eleitos os novos dirigentes do Diretório e da Executiva Nacional. Temendo um impacto negativo das fraturas na eleição municipal deste ano, decisiva para o fortalecimento do projeto do partido para as eleições de 2018, os peemedebistas apelam para que o racha seja evitado. Em público, o discurso das principais lideranças do PMDB é que o instinto de sobrevivência e o projeto de candidatura própria ao Planalto em 2018 exigem consenso, mas a guerra fria é clara.
— Não há disputa dentro do Senado. Temos um acordo: eu, Renan e Jucá sobre presidência do Senado. Sobre a presidência do partido eu não estarei na disputa. O melhor caminho, e eu defendo isso, seria o entendimento geral na questão da liderança da Câmara e na sucessão da direção do partido — diz Eunício.
Mas o líder do PMDB no Senado lembra que os diretórios têm pesos diferentes na eleição do presidente do partido.
— Cada estado é uma célula — ressalta Eunício.
Temer enfrenta um PMDB do Senado coeso, irritado com as decisões do vice-presidente dentro da Executiva do partido. A reclamação é que Temer estaria agindo em apoio ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e que tentou mudar regras sobre a filiação de novos deputados para interferir na disputa pelo cargo de líder do partido na Câmara. Na ocasião, Renan reagiu e chegou a chamar Temer de “coronel”.
O grupo contra Temer, liderado pelo PMDB do Senado, se articula e acredita que hoje o vice não teria votos suficientes para se manter no comando do partido. Mas os próprios senadores sabem que, no PMDB, a negociação ocorre até o final.
Jucá diz que é “cedo” para se falar da convenção. Nos bastidores, o grupo que deseja a renovação admite que o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves (RN), seria uma alternativa do lado do bloco pró-Temer, mas a operação da Polícia Federal em sua residência tornou a manobra difícil. Do lado dos rebeldes, Jucá, mesmo sendo investigado pela Lava-Jato, é apontado como o mais conciliador. O grupo de insatisfeitos também têm alguns deputados.
A primeira reação do grupo do Senado será na volta ao Congresso após o recesso. Renan vai promulgar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que abre uma nova janela de 30 dias para filiações partidárias. A PEC foi aprovada pelo Senado em dezembro. O prazo de 30 dias passa a contar assim que a PEC for promulgada. Os peemedebistas dizem que será um “troco” para a decisão sobre os suplentes que poderiam entrar na bancada da Câmara como forma de mudar novamente os votos sobre o líder.
As divergências explodiram no caso da destituição e recondução de Picciani. No dia 17 de dezembro, após a volta de Picciani à Função, Renan saiu de sua postura discreta e saiu atacando Temer:
— E essa decisão da bancada é a demonstração de que, por mais que o Michel tentasse, quisesse ser coronel, não conseguiria, porque tem que decidir sobre a vontade das pessoas. Não bastar distribuir cargos para isso. A volta do Picciani é a confirmação de que quem tentou ser coronel no PMDB não conseguiu. A tentativa de setores de ser coronéis do PMDB fracassou. O PMDB é um partido democrático, sem dono, sem coronel.
PICCIANI COTADO PARA LIDERANÇA
A ala peemedebista que faz oposição ao governo Dilma Rousseff pode sofrer uma derrota na volta do recesso do Legislativo, em fevereiro, quando será escolhido o novo líder do partido na Câmara. Depois de uma operação que tirou o cargo de Leonardo Picciani (PMDB-RJ) durante uma semana, levando Leonardo Quintão (PMDB-MG) à liderança do partido — com as bênçãos do vice-presidente Michel Temer e do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) —, os dissidentes no PMDB enfrentam dificuldades para encontrar um nome de consenso para o posto.
O Palácio do Planalto, por considerar o posto estratégico no enfrentamento do impeachment e de outras batalhas no Congresso este ano, trabalha nos bastidores para manter Picciani, um aliado que defende uma posição clara contra o afastamento da presidente. A avaliação no governo é que, com o esfriamento do apelo pelo afastamento da presidente Dilma e sem um candidato forte para antagonizar com Picciani, sua recondução ao cargo se torne cada vez mais provável.
Há também uma análise no núcleo palaciano de que Michel Temer não deverá entrar de cabeça para eleger um antigovernista para a liderança, já que ele próprio está em busca de votos para se reeleger à presidência nacional do PMDB e um embate com o diretório do Rio de Janeiro poderia dificultar a empreitada.
Já o grupo dissidente, embalado por Eduardo Cunha, quer emplacar um nome de Minas Gerais que não esteja comprometido com o governo e possibilite um número maior de votos pró-impeachment no PMDB. A expectativa na semana passada era que os dissidentes conseguissem fechar um consenso na bancada mineira, o que acabou não ocorrendo. O deputado Newton Cardoso Junior (PMDB-MG) tem trabalhado para viabilizar seu nome na liderança e se reuniu nos últimos dias com Cunha e com Temer. Mas Newton tem tido dificuldades na bancada mineira para obter apoio, já que a ala ligada a Leonardo Quintão ainda quer para levá-lo ao posto.
Novas reuniões estão marcadas para esta semana. Deputados de outros estados passaram a ser cogitados para a disputa, mas o grupo anti-Dilma já admite, reservadamente, que ficou enfraquecida a possibilidade de derrotar Picciani. Com isso, tentarão inviabilizar a recondução do líder alegando que isto só poderá ocorrer se ele obtiver dois terços dos votos. Esse discurso já foi citado por Eduardo Cunha ao GLOBO e vem sendo repetido pelos dissidentes.
‘DEIXEM A POEIRA BAIXAR’
Ciente da insatisfação dos caciques do Senado, o vice-presidente Michel Temer voltou a dedicar sua atenção para onde sempre teve seu lastro político: a Câmara. Na última semana, Temer pediu a deputados que baixem as armas em relação à disputa pela liderança e “deixem a poeira baixar para enxergar o horizonte”. O vice também telefonou para os principais caciques do partido — inclusive os do Senado — pedindo que tentem um acordo até a convenção de março.
O vice-presidente iniciou, inclusive, uma reaproximação com o líder do PMDB na Casa, Leonardo Picciani (RJ), que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tentou derrubar. Mas alguns peemedebistas duvidam que o pai de Leonardo, Jorge Picciani, que controla o PMDB do Rio, “perdoaria” a manobra contra seu filho, que chegou a ser destituído da liderança e depois a reassumiu.
Aliados de Temer alardeiam, no entanto, que ele tem o apoio do prefeito do Rio, Eduardo Paes, do governador Luiz Fernando Pezão e do ex-governador Sérgio Cabral.
— O general do Michel é o Eduardo Cunha, que ainda tem o controle de parte da bancada — diz um peemedebista.
Esta semana, Temer se encontrou até com o ministro Jaques Wagner, da Casa Civil, no que foi visto como uma tentativa do governo de superar o mal-estar do fim do ano.
— Ele quer fazer as pazes com todo mundo — disse um interlocutor de Dilma.
Senadores, no entanto, dizem que Michel está muito fragilizado com a perda de apoio de diretórios importantes, como os de Rio, Paraná, Ceará, Amazonas, Maranhão, Alagoas, Pará, Paraíba, Tocantins, Roraima, Rondônia, Sergipe e Pernambuco. Para completar, Santa Catarina e Minas Gerais estariam divididos. Os peemedebistas do Senado dizem que Padilha e o ex-ministro Moreira Franco, outro braço-direito de Temer, não têm votos e nem a simpatia do partido. Mas aliados do vice minimizam:
— Daqui até março duas palavras vão ditar o quadro: Lava-Jato. Não estou falando de ninguém que está sendo investigado ou que será candidato. Em tempo de Lava-Jato, é tempo de mergulhar e todo mundo só vai falar de unidade. Então isso aí vai ser levado em banho-maria. Antes de março ainda tem janeiro e fevereiro. Tem que conversar, conversar e, na hora de assinar o contrato, vai depender da Lava-jato, que vai influenciar o ambiente político dentro e fora do PMDB — disse o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA).
O Globo