Morrer de calor é uma das expressões mais usadas no Brasil, sobretudo no verão. Num país tropical em que as temperaturas passam com frequência dos 30ºC – e, na estação mais quente, chegam aos 40ºC – não é de se espantar que muita gente esteja sempre “morrendo de calor”.
Mas será que é possível mesmo morrer de calor?
O professor da Faculdade de Medicina da USP Paulo Saldiva explica que, embora seja raro, isso pode acontecer sim.
“Estudos mostram que durante as ondas de calor há um aumento da mortalidade, sobretudo de idosos e bebês, que têm menos capacidade de adaptação e, muitas vezes, dependem dos cuidados alheios para se proteger”, explica o especialista.
Quando está quente, suamos como uma forma de regular a temperatura do corpo: o suor é uma das reações ordenadas pelo cérebro par fazer declinar a temperatura da pele e, consequentemente, do sangue circulando nos vasos sanguíneos superficiais.
O sangue refrescado corre pelo corpo, baixando a temperatura do organismo.
Entretanto, quando está quente demais, a tendência é que haja cada vez mais vasos de regulação térmica abertos no nosso corpo, para que suemos mais. O primeiro problema óbvio desse suor excessivo é a desidratação.
Alguns idosos – por conta de outras condições comuns à idade avançada, que danificam mecanismos de controle do corpo – podem perder uma quantidade significativa de água sem sentir sede. Quando perdemos muita água e não repomos líquido, junto com a desidratação podem surgir também outros problemas.
Com muitos vasos da pele dilatados ao mesmo tempo, por exemplo, a pressão sanguínea cai – o que pode levar a vertigem e tonturas, por exemplo. Com a pressão mais baixa, a tendência é que o coração comece a bater mais rápido numa tentativa de elevar a pressão e equilibrar o organismo.
O coração sobrecarregado e a menor quantidade de líquidos circulando deixa o sangue mais denso, o que aumenta também a chance de ocorrer algum tipo de obstrução – ou trombo. E também de uma parada cardíaca.
Em situações normais, a própria variação natural da temperatura ao longo do dia se encarrega de regular esse processo, evitando o superaquecimento do corpo.
Mesmo num verão quente, as noites sempre tendem a ser mais frescas que os dias, regulando naturalmente a temperatura corporal.
O grande problema, como explica o climatologista Carlos Nobre, atualmente à frente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), são as ondas de calor extremas e prolongadas, quando essa variação de temperatura ao longo do dia é tão mínima que não dá conta de regular a temperatura do corpo, provocando o superaquecimento.
“O pico de temperatura elevada, mesmo que acima dos 40ºC, não é o grande problema”, explica Nobre.
“O risco é quando, ao longo de pelo menos três dias consecutivos, a temperatura máxima passa dos 36ºC e a mínima não cai abaixo de 21ºC. Quando isso ocorre, o corpo não consegue se resfriar de forma apropriada, o que pode levar a paradas cardíacas e derrames.”
Fresco e hidratado
A forma de prevenir tais problemas é tão óbvia quanto intuitiva: se manter sempre hidratado e refrescado – por meio de ar-condicionado, ventilador, banho frio.
A adaptação das cidades às temperaturas altas é uma ajuda valiosa. Centros urbanos com árvores (e sombra), arquitetura que valorize a circulação de ar, a proximidade da praia, instalações refrigeradas, por exemplo, ajudam a minimizar os efeitos do calor excessivo e evitar problemas maiores.
Vale lembrar que estamos às vésperas de um verão que promete ser um dos mais quentes de todos os tempos no país, com as temperaturas ultrapassando facilmente os 40ºC por vários dias seguidos nos locais tradicionalmente mais quentes, como Rio de Janeiro, Piauí e Tocantins.
Segundo meteorologistas, os termômetros podem registrar um calor até 4ºC acima da média.
Isso porque estamos diante de uma combinação inédita de fenômenos: a elevação da temperatura média do planeta por conta do aquecimento global (que já é de quase 1ºC) somada a um fenômeno El Niño dos mais intensos já registrados.
O fenômeno está relacionado ao aquecimento das águas do Pacífico Sul e, em geral, à elevação das temperaturas globais. De acordo com a Organização Meteorológica Mundial, o El Niño deste ano pode ser um dos quatro mais intensos dos últimos 65 anos.
O El Niño também costuma causar chuvas mais intensas. Se, por um lado, as chuvas são importantes para baixar a temperatura, por outro, o calor com umidade tende a ser percebido com mais intensidade. A sensação térmica aumenta.
Não custa nada estar preparado para morrer de calor apenas metaforicamente e manter a saúde neste verão.
BBC Brasil