O uso de plantas na medicina popular é tão antigo quanto a humanidade. Dores de cabeça, reumatismos, diarreias, gripes e resfriados, por exemplo, são tratados muitas vezes com plantas que encontramos nos quintais ou nas matas próximas às residências. Chás, infusões e compressas são alguns exemplos de remédios caseiros que aliviam ou mesmo curam certas indisposições.
No Brasil, esse remédios caseiros são provenientes de compostos químicos encontrados em plantas de diferentes biomas como a Mata Atlântica, o Cerrado e a Floresta Amazônica, nos quais pouco se conhece sobre a diversidade da flora, usos e benefícios dela.
Uma maneira de se começar a investigar a diversidade vegetal de um lugar e o uso de certas plantas na saúde humana é recorrer ao conhecimento popular. Conversar com pessoas que usam chás ou compressas para tratamento de doenças pode revelar importantes usos de plantas que às vezes são acessíveis a nós, encontradas em jardins ou quintais. Em muitas sociedades, o conhecimento da medicina caseira existe há gerações e é transmitido pelas avós, por tios e tias, mães e pais, para as gerações seguintes. O estudo da medicina popular é conhecido como etnofarmacologia.
Os compostos químicos das plantas que têm o efeito de curar doenças podem ser encontrados nas folhas, cascas do caule, raiz, frutos ou nas sementes das plantas. Esses compostos naturais são denominados bioativos, pois apresentam atividade biológica e podem ser isolados em laboratório. Os extratos destes compostos bioativos podem ser usados como medicamento, sem manipulação ou adição de algum composto sintético.
Procurando investigar os efeitos benéficos de algumas espécies de plantas brasileiras para a saúde humana, o pesquisador João Henrique Ghilardi Lago, do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), investiga substâncias químicas derivadas dos vegetais e o uso delas no tratamento de doenças.
Doenças como a leishmaniose e Chagas, causadas por protozoários parasitas, o câncer de pele e algumas doenças causadas por fungos foram escolhidas para o estudo, bem como algumas plantas brasileiras enconradas em diferentes biomas do Estado de São Paulo (Mata Atlântica, Cerrado e Campos de Altitude). A escolha das plantas foi baseada em suas aplicações etnofarmacológicas já conhecidas e descritas na literatura científica.
Após coleta e processamento do material vegetal, foram preparados extratos brutos e realizada a identificação da composição química desses extratos. A seguir, foi feita a separação dos componentes químicos para obtenção do princípio ativo da planta, que pode ser formado por uma ou muitas moléculas. As moléculas são separadas até chegar à purificação daquelas em que a atividade biológica está concentrada. Após isolamento e garantia do grau de pureza, a substância bioativa é analisada e tem sua estrutura molecular definida. Finalmente, com o composto ativo purificado, os testes da sua ação farmacológica são feitos no laboratório.
Uma das espécies vegetais estudadas foi a guanandi, também conhecido como jacareúba. Essa árvore é encontrada na Amazônia e pode chegar a medir 40 m de altura, com diâmetro de caule de 1 a 3 metros. Na medicina popular, a casca do tronco do guanandi é usada no tratamento de reumatismo, varizes, hemorróidas e úlceras, enquanto suas folhas têm propriedades antiinflamatórias. As cascas também são popularmente usadas no tratamento de doenças parasitárias.
Outra árvore estudada foi a aroeira-vermelha (ou aroeira-pimenteira), da família Anacardiaceae, parente da manga e do caju. A aroeira-vermelha ocorre desde Pernambuco até o Rio Grande do Sul, e na medicina popular tem sido usada no tratamento de úlceras, problemas respiratórios, feridas, reumatismos, gota, diarreia, doenças de pele e artrites, com efeitos antissépticos e antiinflamatórios. Suas flores, caule, folhas e frutos são usados popularmente no tratamento de tumores e no tratamento da hanseníase. Já o tanheiro é nativo da América do Sul e pode chegar a 25 m de altura. No Brasil, é encontrado na Mata Atlântica, ocorrendo desde Minas Gerais até o Rio Grande do Sul. Esta planta pertence à família das Euforbiáceas, a mesma da mandioca.
Algumas espécies de carqueja também foram pesquisadas. Este é o nome popular dos vegetais pertencentes ao gênero Baccharis, que compreendem subarbustos encontrados desde os Estados Unidos até a Argentina. As carquejas são usadas como antiinflamatório, antimicrobiano, antiviral e gastroprotetor. Dois compostos químicos em especial são encontrados nas carquejas, os flavonoides e os terpenoides, cujas ações já mencionadas são conhecidas tanto cientificamente como na medicina popular.
Também foram analisados os efeitos da árvore conhecida como catião-trepador no controle do crescimento de células cancerígenas. Esta árvore é comum na floresta Atlântica das regiões Sudeste e Sul do Brasil, e os registros científicos sobre ela sugerem o seu uso no combate a leishmaniose, entretanto a composição química deste vegetal ainda é pouco conhecida.
O estudo químico da guanandi permitiu isolar importantes compostos naturais, como xantonas, flavonoides, triterpenoides e cumarinas, que apresentaram ação contra o protozoário Trypanosoma cruzi, causador da Doença de Chagas. As cumarinas são importantes compostos químicos derivados de vegetais e são encontradas em diferentes plantas do Brasil. Na medicina, as cumarinas são reconhecidas por sua ação no combate ao Trypanosoma, fato que foi confirmado pela pesquisa.
O composto natural triterpenoide, isolado das folhas da aroeira-vermelha, apresentou sucesso no combate aos protozoários causadores da leishmaniose e da Doença de Chagas. Das folhas dessa árvore foi retirado um composto bioativo chamado alchornedine, um alcaloide que apresentou efeito principalmente contra a atividade do T. cruzi.
Um flavonoide chamado sakuranetina foi identificado em extratos de carqueja. Ele mostrou ação no combate a fungos que causam doenças como a candidíase. A sakuranetina também apresentou ação antiinflamatória e antiparasitária.
Do catião-trepador, foi isolada uma substância chamada jacaranona que, quando testada em laboratório, apresentou o efeito de controlar o crescimento de células cancerígenas. A substância, isolada das folhas da planta, conseguiu reduzir o melanoma maligno em células do câncer de pele. A jacaranona também apresentou efeitos contra a leishmaniose, a malária e a Doença de Chagas.
À esquerda: células cancerígenas não tratadas mostrando os pontos de desenvolvimento de nódulos metastáticos (melanoma). À direita: células tratadas com o princípio ativo jacaranona, retirado do catião-trepador. Fotos: João Henrique Ghilardi Lago.
A leishmaniose e a Doença de Chagas são conhecidas como doenças negligenciadas por afetarem milhões de pessoas no mundo todo. Essas doenças ainda têm alta ocorrência em todo território brasileiro, entretanto as pesquisas e o tratamento delas ainda são incipientes e as medidas de prevenção adotadas no Brasil ainda não conseguem dar conta da demanda de pessoas atingidas. O tratamento para tais doenças costuma ter alta toxicidade nos pacientes e são de longa duração. Por esse motivo, a descoberta de remédios novos, mais seguros e eficazes, é essencial.
Com os procedimentos adotados nesse estudo, foi possível descrever como as substâncias retiradas das plantas agem no causador das doenças, como no caso dos protozoários que causam doenças negligenciadas. A pesquisa ainda contribui para o desenvolvimento de futuros medicamentos que possam combater e eliminar o câncer de pele, bem como tratar doenças causadas por fungos.
O uso da biodiversidade de plantas na saúde humana é conhecido da medicina popular, entretanto, para que seus efeitos sejam cientificamente comprovados, é necessário investimento em pesquisas para desenvolvimento de novos fármacos. Tais investimentos contribuem para valorizar a riqueza biológica e o conhecimento popular, chamando a atenção para a conservação da diversidade vegetal brasileira e para o reconhecimento do uso popular das plantas no tratamento de algumas doenças.Pesquisador(es) Responsável(eis)
Fonte: Dunapress.org