Só há uma resposta para a desgastada pergunta de se há limite para o humor: é a graça. A risada dependerá da época, do público e do contexto, mas tratar a tentativa de fazer rir como crime é mais do que um indício de mau humor, é ignorância pura e simples.
Léo Lins fez uma defesa pública competente após ser condenado a 8 anos e três meses de prisão por racismo e por descriminar pessoas com deficiência. Outros humoristas, como Rafinha Bastos e Helio de La Peña, deram suas contribuições para dimensionar o absurdo da condenação.
O humor é um espaço para diversão, mas também para contestação e o teste de limites, morais inclusive. Desde Aristófanes. Há quem diga que a União Soviética ruiu pelas piadas, ou que pelo menos foi possível que russos e ucranianos, entre outros, sobrevivessem a ela escorados no riso.
Poder
O que os militantes das causas das minorias não entendem é que suas pautas subiram na hierarquia do poder, até virar lei, até conseguirem impor o silêncio, até se tornarem capazes de esmagar quem ousar discordar dos caminhos adotados, mesmo dos mais duvidosos, por meio do tal do cancelamento.
É daí que vem parte da graça de piadas infames sobre o assunto — do desafio ao que não pode ser desafiado, do ato de apontar incoerências na indignação simulada, da resistência em se submeter ao poder imposto —, além do fato de que são infames.
Se Léo Lins fosse reconhecido como racista por seu público, suas piadas sobre negros não teriam graça. A risada vem pela projeção da infâmia, que é a matéria-prima de seriados como Os Simpsons e South Park. É um estilo de humor, que depende do contexto, como quase todo tipo de humor.
Infâmia
Assistir a um show de Léo Lins como se fosse um pronunciamento no plenário da Câmara dos Deputados não faz sentido, ainda que se tema que o que ele diz possa, porventura, influenciar negativamente alguém.
Lula contou uma piada sobre Marina Silva na França. A graça de o presidente dizer que sua ministra do Meio Ambiente é magra por trabalhar demais está na infâmia.
Lula sabe que Marina tem o corpo frágil porque foi acometida por uma série de doenças ao longo da vida, e a brincadeira ganha graça na desgraça que é a presença de uma ativista ambiental da estirpe de Marina num governo desenvolvimentista, que está doido para explorar petróleo na Amazônia.
O que se pode questionar é se Lula deveria fazer esse tipo de piada durante um encontro de Estado. Assim como se pode questionar, do ponto de vista do decoro parlamentar, se o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) deveria usar uma peruca para debochar das transexuais no plenário da Câmara.
Bodes expiatórios
O que não se pode aceitar é que os humoristas sejam usados agora como bodes expiatórios por ativistas de minorias que vêm o poder que adquiriram ser desafiado por eles.
E é de se questionar também por que os procuradores brasileiros foram para cima dos comediantes. É porque não podem mais perseguir corruptos depois do expurgo de quem liderou a Operação Lava Jato?
Sem poder acusar ninguém por lavagem de dinheiro ou corrupção ativa, sob o risco de serem escanteados no Ministério Público ou até de eles mesmos serem presos, agora o trabalho será assistir a especiais de stand-up comedy no Netflix?
Nós precisamos dos humoristas
Os humoristas são um grupo essencial para qualquer sociedade, exatamente por testarem os limites — do poder, da moral, dos bons costumes, do bom senso, etc — em ambientes apropriados para isso.
O trabalho que eles fazem se tornou ainda mais importante numa época de sensibilidades afloradas, em que o debate sobre assuntos delicados é bloqueado de forma truculenta sob a alegação de ofensa.
Quem acha que vai ficar melhor sem eles, não entendeu a piada.
Fonte: cesarwagner.com