* Paulo Elpídio de Menezes Neto
“As democracias são caracterizadas, menos por uma imediata particioacao popular e mais pelo controle que grupos exercem sobre líderes políticos e centros de decisão”. Robert Dahl [Robert Dahl – Poliarquia, São Paulo, EDUSP, 1997]
A Humanidade atende a um movimento cíclico que nos tempos civilizatorios da História promove mudanças apenas pressentidas. Essa trajetória não permite, entretanto, que se desenhe a regularidade dos fenômenos físicos, nem que, por infelicidade, possa idênticas relações de causalidade e constância.
Na ciência econômica, fenômenos “econômicos”, de razoável peso social, atendem a condições mensuráveis, a imposições de natureza quantitativa, que lhes emprestam uma certa previsibilidade. Os “ciclos econômicos”
se inscrevem na narrativa histórica e se repetem, por isso mesmo são “ciclos”, com surpreendente regularidade. A Natureza, nos caprichos da produção agrícola e das variações climáticas, é responsável por esses fenômenos cujas repercussões projetam-se na vida econômica.
Mas não é assim que acontece no plano do comportamento político, nos espaços do “political behavior”. Os estudos sobre essa área específica da ciência política desenvolveram-se a partir dos anos 1960 e recorrem a metodologias que se servem de procedimentos quantitativos e “surveys”.
Por que algumas pessoas participam mais ou menos da política, por que votam ou se identificam com determinada ideologia? Não são poucas as indagações que surgem sobre comportamento político e opinião pública a partir das pesquisa que iriam marcar época no campo da psicologia política.
O indivíduo tomado como unidade de análise poderia explicar o interesse que motivou, entre os cientistas políticos americanos que desenharem os esboços de uma “teoria da escolha do eleitor” em um livro seminal, publicado em 1960 por pesquisadores da Universidade de Michigan — [”The American Voter” – Angus Campbell, Philip Converse Warren Miller e Donald Stokes, University if Chicago Press, 1980].
Os fenômenos políticos não são cíclicos, na maior parte das vezes, porém atendem a uma regularidade de causa e efeito.
A democracia é,como pareceu a Schumpeter, “um método para a tomada de decisões”. [“Capitalismo, socialismo e democracia”, , Rio de Janeiro, Zahar, 1984]. “Um mecanismo para eleger e autorizar governos”, dir-se-ia…”por meio da competição entre as elites, organizadas em partidos e legitimadas através do voto” [idem].
Quando essa instrumentacão sofisticada mostra as falhas que é capaz de superar ou a elas sucumbir e submeter-se, torna-se perceptível a pequena distância existente entre a democracia e a máquina das exceções autoritárias.
Sim, os sintomas dessas transformações são perceptíveis, visíveis, até, em circunstâncias incontornáveis. A quebra da ordem constitucional em um “Estado democrático de direito” — vá lá a expressão cediça ao gosto dos aprovisionadores de crises e fantasias —, não é efeito simultâneo de causas desconhecidas. É projeção de causas amadurecidas, porém ignoradas pela astúcia dis engenheiros do autoritarismo.
As deploráveis circunstâncias que jogaram o Brasil na situação em
que nos encontramos, hoje, é resultado e consequência de um processo continuado que o tempo e a nossa indiferença acentuaram. A realidade presente ao longo de décadas, persistente e clara, foi ignorada na busca oportunista das elites e dos homens ditos de Estado. Mas também do povo, desejoso de autoridade e das utopias que os ditadores modelam com extrema competência.
O melhor das leis, neste território de abandono ético, da democracia que prezamos, é não termos que obedecê-las. E, se for para cumprir os seus mandamentos, que seja para reprimir a cobiça e os mal-feitos (apud Rousseff), dos outros…
Nosso passado nos condena: não exercitamos, como devêramos,a prática da democracia, ao longo de extenuante aprendizado de pouco proveito. A sintomatologia autoritária, que agora se apresenta sob a forma metafórica de uma “democracia relativa”, é a mesma que antecedeu ao Estado Novo de Vargas, em 1930, e à República dos Generais, de 1964.
Aproximamo-nos de um modelo ambidextro, ideologicamente hermafrodita, uma mesclagem grosseira de totalitarismo com algumas pajelanças rituais que lembram, de longe, os cuidados dispensados a uma cultura bacharelesca de frágil redução democrática.
Não abrimos mão, entretanto, da liturgia de uma certa ritualística democrática. A celebração de uma Constituição, as leis, as instituições, o equilíbrio dos poderes, o voto, a representação e o mandato constituem a moldura para o melhir dis cenários de uma democracia. Ou de uma ditadura.
Vamos ensinar a Xi Ping e a Putin como construir uma ditadura — “constitucional” .
* Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi diretor da Imprensa Universitária da UFC. Foi durante sua gestão que a Universidade instalou a Rádio Universitária FM.
Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará em 1987 e 1988, Secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação entre 1991 e 1992. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha.
Fonte: cesarwagner.com