Apresentada como a grande solução do governo federal para a crise da segurança pública, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública revela-se, em uma análise mais aprofundada, uma medida mais simbólica do que transformadora. Longe de enfrentar os problemas estruturais do setor, a proposta parece destinada a criar a ilusão de ação enquanto mantém intocadas as raízes da insegurança no país.
SUSP na Constituição: Avanço ou Ilusão Burocrática?
O carro-chefe da PEC é a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), iniciativa que, em tese, buscaria fortalecer a coordenação nacional. Na prática, porém, a medida esbarra em um obstáculo intransponível: a autonomia dos estados sobre suas polícias.
“Transformar o SUSP em norma constitucional não resolve a falta de integração real entre os entes federativos. Sem mecanismos coercitivos ou incentivos concretos, os governos estaduais continuarão a agir de forma desarticulada”, explica um especialista em segurança pública. O resultado? Mais uma camada de burocracia, sem impacto visível na redução da criminalidade. Além disso, a PEC ameaça diretamente a autonomia dos estados, uma vez que, ao tentar centralizar o controle sobre a segurança pública, o governo federal pode minar a capacidade dos estados de gerenciar suas próprias forças de segurança de acordo com as necessidades locais.
Corregedorias Autônomas: Controle ou Perseguição?
A criação de corregedorias e ouvidorias independentes é vendida como um passo rumo à transparência, mas setores das forças de segurança enxergam a medida com desconfiança. O risco aqui é claro: sem diretrizes operacionais bem definidas, essas estruturas podem se tornar instrumentos de interferência política, focadas mais na punição de agentes do que no aprimoramento institucional.
“Autonomia sem critérios claros abre espaço para arbitrariedades. O que deveria ser um mecanismo de melhoria contínua pode se transformar em uma ferramenta de perseguição ideológica”, alerta um delegado ouvido pela reportagem. A ausência de planos de capacitação ou metas de desempenho reforça a percepção de que a medida é mais sobre controle do que sobre eficiência.
PRF como Polícia Ostensiva: Solução ou Desvio de Foco?
A expansão das atribuições da Polícia Rodoviária Federal (PRF) é outro ponto controverso. Em vez de investir no fortalecimento das polícias estaduais – que respondem pela maior parte da segurança pública –, a PEC opta por estender as funções de uma instituição cuja expertise está no patrulhamento de rodovias.
“É como usar um canivete para cortar um bife: possível, mas ineficiente. A PRF não tem estrutura, treinamento ou vocação para atuar como polícia ostensiva em centros urbanos”, critica um analista. A medida parece mais um paliativo para justificar a inação diante da precariedade das polícias militares e civis.
Falta de Rumo: A PEC que Ignora os Problemas Reais
O maior defeito da proposta, contudo, está na ausência de um norte claro. Não há metas mensuráveis, prazos definidos ou indicadores de sucesso. Tampouco se aborda questões cruciais, como:
- A profissionalização das polícias;
- O combate à corrupção interna;
- A modernização de sistemas de inteligência;
- A integração com políticas sociais.
“É uma reforma que mexe nas beiradas enquanto ignora o cerne do problema”, resume José Cláudio Souza Alves, pesquisador da UFRRJ.
Ao final, a PEC da Segurança Pública parece cumprir um papel mais político do que prático. Oferece ao governo a chance de dizer que “agiu”, sem de fato enfrentar os desafios que tornam o Brasil um dos países mais violentos do mundo.
Enquanto isso, a população continua refém de um sistema que não protege, as polícias permanecem desassistidas, e a criminalidade segue intocada em suas causas profundas. Resta saber: quando teremos, de fato, uma reforma à altura do problema?
Fonte: bombeirosdf.com