O Diagnóstico que Ninguém Queria Ouvir
Imagine transformar o país mais violento do mundo no mais seguro do hemisfério ocidental em apenas alguns anos. Foi exatamente o que Nayib Bukele fez em El Salvador. Agora, com a autoridade de quem entregou resultados, ele lança um olhar im
piedoso sobre a realidade brasileira e sua conclusão é devastadora: se o crime organizado prospera aqui, é porque encontrou abrigo dentro das próprias estruturas de poder.
“Eu acredito que não há governo que não possa eliminar a criminalidade, isso é absurdo”, disparou Bukele em recente declaração que causou desconforto diplomático. “O Leviatã, o Estado, é sempre mais forte que qualquer organização criminosa.”
A mensagem é clara: a impotência estatal diante do crime é, na verdade, uma escolha política.
De Inferno a Paraíso: A Receita Salvadorenha
Quando assumiu a presidência em 2019, Bukele herdou um país devastado pela violência, onde as temidas “maras” (gangues) controlavam bairros inteiros e impunham seu próprio sistema de justiça. Cinco anos depois, a realidade é irreconhecível.
“Nós demonstramos isso: éramos o país mais inseguro do mundo e agora somos o mais seguro do hemisfério”, relembrou o presidente, que não esconde o orgulho de sua maior conquista política.
A transformação tem seu preço – críticos apontam para prisões superlotadas, detenções em massa e processos judiciais acelerados. Mas para uma população que vivia refém do terror, os números falam mais alto: a queda de mais de 90% nos homicídios representa milhares de vidas poupadas.
Como me disse um taxista salvadorenho durante uma visita ao país: “Antes eu não podia trabalhar depois das 6 da tarde. Hoje levo passageiros até de madrugada. Isso tem preço?”
O Enigma Brasileiro Sob a Lupa de Bukele
Ao voltar seu olhar para o Brasil, Bukele parece genuinamente intrigado. Como um país com forças armadas poderosas, polícia bem equipada e recursos abundantes pode conviver com territórios controlados por facções criminosas?
“As organizações criminosas do Brasil são muito maiores, mas também o estado do Brasil é muito maior, mais forte e poderoso do que as organizações”, analisou. “Não podem controlar o território, temos que deixar essa zona para os cartéis, a outra zona para a organização criminosa, os bairros para as gangues? Não, não pode ser. Algo tem que estar errado.”
O Rio de Janeiro emerge como o exemplo perfeito desse paradoxo. A cidade que recebe milhões de turistas por ano e já sediou eventos como Copa do Mundo e Olimpíadas convive com territórios onde o Estado simplesmente não entra, ou só entra atirando – para depois recuar e devolver o controle aos traficantes.

Derrubando Mitos: Tamanho Não é Documento
Bukele foi implacável ao demolir as justificativas geográficas frequentemente usadas para explicar o fracasso brasileiro no combate ao crime:
“O que acontece é que no Brasil temos a selva? O Canadá tem territórios impenetráveis que não se pode atravessar, tundra e tudo mais, e não há ninguém que controle um pedacinho.”
A comparação se estende a outros gigantes territoriais:
- China: Com 1,4 bilhão de habitantes e uma geografia diversa, mantém controle rígido sobre seu território
- Índia: Enfrenta desafios sociais imensos, mas não tem “territórios liberados” para o crime
- Rússia: Possui a maior extensão territorial do mundo, incluindo regiões remotas, sem ceder soberania a criminosos
É como se Bukele perguntasse: “Se eles conseguem, por que vocês não?”
A Hipótese Explosiva: Criminosos no Poder
É na conclusão de sua análise que Bukele lança sua bomba política: para ele, só existe uma explicação possível para a persistência do crime organizado em países como o Brasil:
“Como é possível que uma organização criminosa possa se apropriar de um território inteiro e o governo não possa tirá-los de lá? Porque eles estão no governo, por isso”, sentenciou, com a franqueza que o tornou famoso.
A afirmação ecoa investigações e escândalos que periodicamente vêm à tona no Brasil, revelando conexões entre políticos, agentes públicos e organizações criminosas. De delegados que vendem proteção a traficantes até parlamentares com laços comprovados com milícias, os exemplos não faltam.
As Questões Incômodas que Ficam
Seria o “Método Bukele” aplicável ao Brasil?
Esta pergunta divide especialistas. Enquanto alguns admiram os resultados obtidos em El Salvador, outros alertam para o custo em termos de garantias individuais e devido processo legal. “Não se pode simplesmente importar um modelo de segurança pública sem considerar o contexto histórico e social de cada país”, alertam defensores de direitos humanos.
Até que ponto vai a infiltração criminosa nas instituições brasileiras?
A provocação de Bukele reacende um debate crucial: seria a ineficácia no combate ao crime uma questão de incompetência ou de conluio? Os inúmeros casos de corrupção policial, judiciária e política sugerem que a resposta pode ser desconfortável.
O Espelho que Ninguém Quer Olhar
As declarações de Bukele funcionam como um espelho colocado diante da sociedade brasileira – um espelho que revela uma imagem que muitos prefeririam não ver. Afinal, é mais confortável atribuir a violência endêmica a fatores externos – pobreza, educação precária, geografia desafiadora – do que admitir a possibilidade de um problema estrutural de corrupção e infiltração criminosa.
Talvez o verdadeiro valor das provocações do presidente salvadorenho não esteja nas soluções que ele propõe, mas nas perguntas que nos força a fazer. Por que aceitamos como normal o que deveria ser inaceitável? Por que normalizamos a existência de “áreas de risco” onde o Estado não entra? E, mais importante, a quem beneficia a manutenção desse status quo?
Estas são questões que, independentemente de posições políticas, merecem reflexão profunda de qualquer cidadão comprometido com um Brasil mais seguro e justo. Afinal, como diria o próprio Bukele: se outros conseguiram, por que não nós? [INSERIR LINKS]
Fonte: folhadapolitica