Primeira Seção do Tribunal decidiu autorizar importação e cultivo da planta para fins medicinais. A atividade deverá seguir regras a serem fixadas pelo governo federal. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, nesta quarta-feira (13) que é possível que empresas obtenham autorização sanitária para a importação de sementes e o cultivo da cannabis sativa com objetivos medicinais, farmacêuticos ou industriais.
O caso foi analisado pela Primeira Seção, colegiado que reúne 10 ministros do tribunal e é especializado em temas de direito público.
Os ministros decidiram dar 6 meses para que a União e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tomem as providências para viabilizar a medida.
‘STJ autorizou cultivo e importação para produção medicinal; governo federal deve definir regras em até 6 meses.
Reprodução/TV Globo
A decisão deverá ser seguida pelas instâncias inferiores da Justiça em todo o país. Cabe recurso – no próprio STJ e, se houver questões constitucionais, no Supremo Tribunal Federal (STF).
A discussão envolveu a autorização sanitária para importação e cultivo de variedades da planta com a concentração da substância que é aplicada para a produção de medicamentos.
Ou seja, a decisão não tratou do plantio ou legalização da maconha para uso recreativo, ou cultivo da planta para outros fins que não são terapêuticos.
O g1 explica os detalhes do processo, os efeitos da decisão e os próximos passos.
O que o STJ julgou?
Os ministros da Primeira Seção julgaram o recurso de uma empresa de biotecnologia que pediu autorização sanitária para importar, plantar e cultivar cânhamo industrial, uma variedade da cannabis sativa. O grupo pretende explorar economicamente a substância, produzindo materiais a serem usados com fins medicinais.
Pesquisas no Brasil mostram bons resultados do uso medicinal da cannabis
A empresa sustentou que o cânhamo industrial tem quantidades baixas de tetrahidrocanabinol (THC), o que impediria o uso do vegetal de forma recreativa. E que ele tem mais 25 aplicações industriais distintas – entre elas, o uso medicamentoso, por conta da extração do canabidiol (CDB). Ou seja, na prática, o vegetal só teria potencial para uso farmacêutico, seria incapaz de causar efeitos psicotrópicos.
O grupo argumentou que a Anvisa já regulamentou a importação de extratos de canabidiol por quem pretende fabricar e vender produtos derivados de cannabis, mas as mercadorias são vendidas com alto valor no mercado nacional por conta de dificuldades na importação dos insumos. E que a permissão do plantio no país pode alterar este cenário.
Ainda segundo a empresa autora da ação, a falta de autorização para a exploração do produto seria uma violação do direito à livre iniciativa. A empresa defende que sua atividade será feita com fiscalização do Ministério da Agricultura e da Anvisa.
Os magistrados decidiram atender ao pedido, entendendo que a falta de regulamentação traz impactos aos pacientes e ao mercado nacional. Decidiram que a atividade deve ser autorizada e seguir regras do governo – da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, dos Ministérios da Justiça, Agricultura e Saúde. E estabeleceram prazo para a União e a Anvisa fixar as normas que vão garantir a atividade.
O que são THC e CDB?
O THC e o CDB são duas substâncias presentes na cannabis. O THC é popularmente associado à capacidade de criar as sensações apontadas como de euforia e de prazer, além de outros efeitos buscados por quem faz o uso recreativo. Contudo, o ativo também possui efeitos terapêuticos e é utilizado como antidepressivo, estimulante de apetite e anticonvulsivo.
‘Na minha cabeça, era uma coisa que iria me viciar’: mulher faz uso do cannabis para dores
O CDB é responsável pelo efeito relaxante. Na indústria farmacêutica, ele funciona como analgésico, sedativo e anticonvulsivo no tratamento de doenças como esclerose múltipla, epilepsia, Parkinson, esquizofrenia e dores crônicas.
O STJ julgou descriminalização ou legalização da maconha? Liberou consumo de substância entorpecente?
Não. O recurso deixa claro que a questão não envolve os aspectos criminais, ou seja, não esteve em debate a questão descriminalização de drogas, legalização ou qualquer tipo de liberação da maconha. A decisão tomada pelo STJ sobre o tema não terá efeitos sobre a liberação da substância para uso que não seja terapêutico.
O que o STJ fez foi liberar a importação para o plantio e cultivo de uma das variantes da cannabis com o objetivo de obter o CDB, que já é usado com fins farmacêuticos. Ou seja, agora empresas poderão explorar a atividade economicamente.
Com a decisão, empresas poderão realizar plantio e importação de cannabis para fins medicinais.
Reprodução/TV Globo
Antes desta decisão, a Anvisa já tinha concedido autorização para a importação de produtos com princípios ativos extraídos da planta. Mas não permitia a importação da planta in natura, nem para fins medicinais.
O STJ também já vinha decidindo a favor do cultivo doméstico da cannabis, para atender a pessoas específicas, que precisam da substância por questões de saúde.
Como o processo chegou ao STJ?
A disputa jurídica começou com uma ação da empresa de biotecnologia na Justiça Federal no Paraná. Na primeira instância, o pedido foi negado. O Tribunal Regional Federal da 4a Região manteve a decisão.
As duas instâncias entenderam que a empresa quer uma “ampla autorização de exploração industrial da cannabis sativa”, o que demandaria uma decisão política, ou seja, uma definição por parte dos Poderes Legislativo e Executivo.
No entendimento da Justiça Federal, a atuação do Poder Judiciário no caso feria o princípio da separação de Poderes.
Quem julgou o caso no tribunal?
O processo, que tem como relatora a ministra Regina Helena Costa, foi analisado pela Primeira Seção, um colegiado com 10 ministros especializado em casos de direito público – processos que envolvem o Poder Público.
A ministra Regina Helena Costa foi a relatora do caso no STJ.
STJ
O caso discutido se encaixa nesta definição, porque teve a participação da União, do Ministério da Agricultura e da Anvisa.
Cabe recurso da decisão?
Sim, a partir da decisão da Primeira Seção são possíveis, por exemplo, os chamados embargos de declaração, usados para esclarecer pontos do julgamento no próprio STJ. É possível também recorrer ao STF, caso se entenda que a questão envolve direitos constitucionais.
A decisão foi tomada no âmbito do chamado incidente de assunção de competência, em que as conclusões dos ministros serão aplicadas em processos semelhantes em instâncias inferiores.
Casos que se enquadravam nesta situação estavam suspensos por decisão da Primeira Seção. Agora, assim que a decisão colegiada for publicada, voltam para suas instâncias de origem e serão decididos de acordo com os parâmetros colocados pelo STJ.
Como vai funcionar a aplicação do prazo para a regulamentação?
Ministros entenderam que era o caso de fixar prazo para a União e para a Anvisa para garantir efetividade à decisão, ou seja, que ela seja colocada em prática.
Fachada da Anvisa.
Divulgação/Ascom
O prazo de seis meses para implementar as medidas vai valer a partir da publicação da decisão colegiada, o chamado acórdão. A ideia é que o tribunal acompanhe a execução das medidas, e que seja possível posteriormente verificar se tudo foi cumprido.
O STJ entendeu que a União pode definir normas para evitar o desvio e a destinação indevida das sementes e das plantas – por exemplo, rastreabilidade genética, restrição ao plantio a determinadas áreas, autorização para plantio em ambientes fechados, limitação da quantidade de produção nacional, e exigências para as empresas que querem atuar no setor (como cadastramento prévio, regularidade fiscal e trabalhista e ausência de anotações criminais de seus administradores).
Fonte: G1