“Meu avô plantava algodão e tinha uma boa colheita. Agora, o que a gente planta não dá mais para colher”. O lamento é de Elissandra Silva de Souza, de 42 anos, que já vê os primeiros sinais da seca no sítio ondem mora em São José da Tapera, Alagoas.
“Sou filha e neta de agricultores rurais do Sertão e há décadas a gente vem observando o clima mudar. Este ano só conseguimos colher a palha do milho para fazer ração para os animais, não deu para colher o grão. Nos dias de hoje, só os cactos e as palmas sobrevivem no Sertão“, conta Elissandra.
A situação enfrentada por Elissandra é a realidade de muitos outros sertanejos em Alagoas. E a previsão é piorar: nos próximos meses, o estado deve enfrentar uma seca mais intensa que em anos anteriores, segundo a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh).
Este ano, a chuva ficou abaixo da média nos últimos dois meses em Alagoas. Por causa disso, o mais recente mapa do Monitor de Secas da Semarh, divulgado em julho, já apresentava uma área de seca fraca em todo semiárido Alagoano, o que representa 29% do território do estado (veja abaixo).
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Monitor de Secas da Semarh de julho apresenta uma área de seca fraca em todo semiárido Alagoano — Foto: Semarh
“A gente deve enxergar essa área de seca fraca como ‘entrando em um período de seca’. A tendência é de agravamento dessa situação, pois estamos fora do período chuvoso. As regiões que devem ser mais afetadas pela seca são as regiões do Sertão, Sertão do São Francisco e Agreste, onde chove menos durante a primavera”, alerta o superintendente de Prevenção em Desastres Naturais da Semarh, Vinícius Pinho.
Seca é uma estiagem prolongada durante um período suficiente para que a falta de precipitação provoque desequilíbrio hidrológico. As regiões com classificação de seca fraca podem ter déficits hídricos prolongados e pastagens ou culturas não completamente recuperadas.
“A previsão é de poucas chuvas em todo estado durante a primavera, que é um período seco. A tendência é de elevação gradual das temperaturas, diminuição da nebulosidade e das chuvas. Isso também favorece o aumento da evaporação, o que reduz a disponibilidade hídrica”, explica Vinícius Pinho.
Risco de desabastecimento hídrico
Uma das maiores preocupações relatadas pela Defesa Civil nestes locais é o desabastecimento hídrico, que é quando a demanda por água é maior do que a oferta disponível. De acordo o relatório do Monitor de Secas, municípios do Agreste, Zona da Mata, Sertão e Sertão do São Francisco apresentaram piora na distribuição de chuvas e na percepção da seca.
“Nós nos preparamos para enfrentar a seca com um reservatório de água, que é onde o caminhão-pipa coloca a água para que a gente possa cozinhar, comer, tomar banho. E quando chove bastante, tem as barragens para os animais”, relata Elissandra.
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Sertanejos de Alagoas se preparam para enfrentar a seca com reservatórios de água abastecidos por carros-pipa — Foto: Arquivo pessoal
Dos sete reservatórios monitorados pela Semarh, seis estavam com seus volumes acima de 100% em julho. A exceção é o reservatório de Boa Cica, que tem nível intencionalmente mantido em 53% para garantir a reserva de espaço necessário para o controle de enchentes e sustentar a irrigação de plantações.
Apesar disso, as informações fornecidas pelos coordenadores municipais de Defesa Civil para o Monitor de Secas indicam que existe uma condição de “escassez hídrica” em municípios do Semiárido.
Isso acontece porque, mesmo havendo água nos reservatórios destes municípios, a qualidade da água para consumo humano está seriamente comprometida, havendo restrição de água para consumo humano até para consumo animal na região, principalmente nas comunidades rurais.
Para tentar diminuir o impacto da seca sobre a vida dos sertanejos, os municípios começaram a solicitar que o governo federal reconheça a emergência por causa da seca (veja lista ao final do texto). Com o decreto de emergência, esses municípios podem receber a Operação Carro-pipa.
“Esse decreto é importante para que a distribuição de água através de carros-pipa continue em todo Sertão, já que, com a diminuição hídrica, deve faltar ainda mais água [nessa região]”, explica o chefe da subseção de desastres naturais, capitão Douglas Gomes.
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De acordo com a observação da sertaneja Elissandra, “só os cactos e as palmas sobrevivem no Sertão” — Foto: Arquivo pessoal
Municípios que vão solicitar que o governo federal reconheça a emergência por causa da seca:
- Belo Monte
- Delmiro Gouveia
- Dois Riachos
- Estrela de Alagoas
- Inhapi
- Jacaré dos Homens
- Jaramataia
- Major Izidoro
- Maravilha
- Olho D’Água das Flores
- Olho D’Água do Casado
- Olivença
- Pariconha
- Senador Rui Palmeira
- Cacimbinhas
- Canapi
- Ouro Branco
- Carneiros
- Poço das Trincheiras
- Água Branca
- Monteirópolis
- Santana do Ipanema
- Pão de Açúcar
Segundo a Defesa Civil, esse número tende a aumentar à medida em que mais municípios vão iniciando o processo de solicitação de reconhecimento da situação de emergência.
Fonte: G1