Irritabilidade, desequilíbrio, fala enrolada e movimentos involuntários. Há cerca de 10 anos, Natany Caroline Lira Ramos, de 27 anos, viu a mãe, Nadja Maria Lira, repetir os sintomas da avó materna. A partir daquele momento, ela soube que o gene defeituoso que causa a doença de Huntington havia sido passado para mais uma geração.
Hoje com 54 anos, Nadja já não pode fazer muitas coisas que amava, como cozinhar e até frequentar o quintal de casa, acessível através de uma escada que, agora, é impossível para ela descer sozinha. A doença também afetou a deglutição, o que causa engasgos com frequência.
“Eu fiquei triste [ao saber do diagnóstico]. Eu não queria aceitar, mas acabei aceitando. Não consigo fazer muitas coisas. Preciso da [ajuda] Natany. Tenho medo de cair, eu caio bastante”, lamenta Nadja.
A doença de Huntington causa perda de células em uma parte do cérebro denominada gânglios da base, afetando a capacidade cognitiva (pensamento, julgamento, memória), psiquiátrica (irritação, depressão, alucinação) e motora (tiques, desequilíbrio, movimentos involuntários).
A doença é herdada geneticamente, ou seja, causada por mutações recebidas dos pais. A cidade de Feira Grande, interior de Alagoas, onde Nadja e Natany moram, tem a 2ª maior prevalência da doença no Brasil. Isso acontece porque, décadas atrás, era comum parentes se relacionarem entre si na região devido a fatores culturais e isolamento geográfico.
Além de lidar com Huntinton, os portadores também enfrentam o preconceito, principalmente por causa dos movimentos involuntários característicos da doença.
“Tem gente que acha que [o paciente] é doido, bêbado, tarado. Minha mãe parou de frequentar a igreja porque tem medo de cair e também tem vergonha dos movimentos involuntários”, afirma Natany.
Sintomas progridem até a dependência total
Ainda não existe cura ou tratamento para a doença, há apenas tratamentos para minimizar o impacto dos sintomas, que pioram ao longo do tempo até que o portador fique completamente dependente de terceiros.
“Primeiro, as limitações são motoras. O paciente começa a ficar muito desastrado. Mesmo com o tratamento, ele começa a ficar muito desequilibrado, com grande risco de queda. Isso acaba atrapalhando tanto as atividades diárias, como as atividades laborais. Na fase avançada, o paciente fica muito dependente, muito limitado. Mais para o final, chega a ficar acamado e dependente de terceiros”, explica a neurologista Débora Palma Maia.
“Minha mãe consegue comer, pentear o cabelo e tomar banho sozinha. Enquanto ela puder fazer essas coisas sozinha, eu vou deixá-la fazer”, conta Natany.
Nadja já não pode frequentar o quintal de casa, acessível através de uma escada que, agora, é impossível para ela descer sozinha — Foto: Adja Alvorável/g1
Falta de apoio e sonhos adiados
Dois irmãos e uma irmã de Nadja também são portadores da doença. Os irmãos dela não têm filhos e Natany é filha única. Ela cuida sozinha da mãe, dos tios e dos filhos: uma menina de 9 anos e de um menino de 6 anos, que tem Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
“Eu me sinto solitária. Tenho que me desdobrar para cuidar de todos. Eu quem dou os remédios, levo para consulta, resolvo problemas. É muita coisa em cima de mim. Eu faço o que eu posso”, desabafa a jovem.
A rotina cansativa também faz com que Natany adie sonhos. “Meu sonho era fazer faculdade, cursar fonoaudiologia. Comecei a fazer um cursinho preparatório, mas tive que parar porque era muito cansativo, acabava dormindo durante as aulas”, lamenta.
Diogo Casagrande, vice-presidente da Associação Brasil Huntington (ABH), organização sem fins lucrativos que presta apoio a pacientes, familiares e cuidadores, explica que sentimentos de impotência, solidão, desespero, mágoa e culpa são comuns nos que se dedicam a cuidar.
“Os cuidadores acabam perdendo contato com os amigos, se afastam das atividades sociais, abandonam parcial ou integralmente sua atividade profissional e podem ter em problemas financeiros. Quem quer se tornar um cuidador forte física e psicologicamente, não pode dispensar o lazer, os exercícios físicos e os contatos sociais”, orienta.
O site da ABH disponibiliza informações sobre Huntington, livros e apostilas com recursos para pacientes e familiares, além de manter um canal de apoio para quem precisa conversar sobre a doença. Também há um serviço de atendimento psicológico on-line e gratuito para cuidadores, o que ajuda a diminuir a sobrecarga.
Pacientes, cuidadores e familiares recebem apoio da Associação Brasil Huntington — Foto: Adja Alvorável/g1
‘Não sei se quero saber se tenho Huntington’
Natany ainda não sabe se herdou a doença da mãe. Caso ela não tenha a doença, os filhos também não terão. Mas, se o resultado for positivo, há chances de os filhos também terem.
O diagnóstico é feito através de avaliação física, neurológica e psicológica, além de histórico familiar detalhado e exames de imagem. O diagnóstico definitivo é o teste genético.
“Eu já fiz ressonância e, por enquanto, está tudo OK. Mas ainda não fiz o exame genético porque, no momento, não tenho com condições [financeiras]. Depois dos 30 anos, pode ser que eu procure saber. Ainda não tenho certeza se quero saber se tenho Huntinton”.