Impacto teria começado durante a corrida espacial no século XX e se intensificado com as missões durante os anos 1970; novo marco surge durante retomada do interesse pela Lua
A Lua entrou em uma nova era geológica. É o que defendem alguns cientistas em um artigo publicado na revista Nature Geoscience em dezembro. A pesquisa sugere que o astro tem sofrido mudanças provocadas pelo homem há quase 65 anos, quando a espaçonave não tripulada da antiga URSS, a Luna 2, aterrissou pela primeira vez em sua superfície. Iniciava-se ali o chamado “Antropoceno Lunar”.
A Nasa (agência espacial americana) afirma que a Luna 2 criou uma cratera ao pousar no satélite entre as regiões lunares de Mare Imbrium e Mare Serenitatis, momento que teria marcado o início dos esforços de exploração do satélite. Para o principal autor do artigo, Justin Holcomb, em comunicado citado pela CNN, a ideia do processo “é praticamente a mesma da discussão do Antropoceno na Terra – a avaliação de quanto os humanos impactaram nosso planeta”.
“O consenso é que na Terra o Antropoceno começou em algum momento no passado, seja há centenas de milhares de anos ou na década de 1950”, explica o pesquisador de pós-doutorado do Kansas Geological Survey da Universidade do Kansas. “Da mesma forma, na Lua, argumentamos que o Antropoceno Lunar já começou, mas queremos evitar danos amplos ou um atraso nesse reconhecimento até que seja possível medir um halo lunar significativo causado por atividades humanas, o que seria tarde demais.”
Lua x Terra
A ideia dessa nova fase da história lunar chega no momento em que se intensificam as explorações, além do interesse renovado pelo satélite após décadas. E a expectativa é de que mais mudanças ocorram com o aumento da exploração (independente da modalidade).
Enquanto na Terra — palco de exploração em massa e de significativos impactos na fauna e flora — são inúmeras as tentativas, legislações e iniciativas para preservar os locais mais sensíveis, na Lua o rastro do homem está por toda a parte.
O satélite, por exemplo, não tem atmosfera própria como a Terra. Por isso, é natural que sofra com micrometeoritos, no que os pesquisadores chamam de “regolito”, isto é, “processos que envolvem a movimentação de sedimentos”, como o impacto de meteoroides.
“No entanto, quando consideramos o impacto dos veículos, das sondas e do movimento humano, eles perturbam significativamente o regolito”, explica Holcomb, destacando que pelo menos 58 lugares na superfície do satélite sofreram “perturbações” causadas por atividades humanas.
Os exitosos e fracassados pousos em sua superfície (que são bastantes complicados, diga-se de passagem) já causaram diversas crateras, ao mesmo tempo que diversos objetos foram deixados no local durante as missões, como bandeiras, fotografias e até centenas de sacos de fezes e urinas deixados durante os pousos da missão Apollo.
Segundo a CNN, 12 astronautas da agência americana caminharam pela Lua entre os anos de 1969 — quando o homem pisou pela primeira vez no satélite — e 1972. A expectativa é de que o retorno de astronautas ao satélite ocorra em setembro de 2026, no âmbito da missão Artemis III.
Por isso, os pesquisadores sublinham que marcar uma nova fase na Lua é salientar que as mudanças causadas nos satélite não são naturais e não ocorreriam sem a mão humana.
“As missões futuras devem considerar a mitigação dos efeitos deletérios nos ambientes lunares”, afirma o pesquisador, citado pela emissora americana.
‘Herança espacial’
Ao mesmo tempo, é necessário preservar algumas mudanças — pequenos pedaços de História para um futuro próximo. Os pesquisadores destacam a importância de resguardar locais de pouso, como da missão Apollo e as pegadas deixadas, além de catalogar os itens deixados, considerando-os parte de uma “herança espacial”. O trabalho, contudo, é complexo, já que a Lua não pertence a nenhum Estado ou não está sob nenhuma jurisdição.
“Um tema recorrente no nosso trabalho é a importância do material lunar e das pegadas na Lua como recursos valiosos, semelhante a um registro arqueológico que estamos empenhados em preservar”, destaca Holcom, acrescentando que a ideia de marcar o Antropoceno Lunar é também trazer mais consciência sobre a importância do satélite.
“Essas marcas estão entrelaçadas com a narrativa abrangente da evolução. É dentro dessa estrutura que procuramos captar o interesse não apenas de cientistas planetários, mas também de arqueólogos e antropólogos que normalmente não se envolvem em discussões sobre ciência planetária”, conclui.