O Ministério Público Estadual de Alagoas (MPE/AL) ajuizou, por meio do procurador-geral de Justiça e promotores de Justiça, uma nova ação civil de responsabilidade por ato de improbidade administrativa contra membros da antiga Mesa Diretora da Assembleia Legislativa (ALE). O ex-presidente daquele Parlamento Fernando Ribeiro Toledo, o atual deputado estadual Marcelo Victor Correia e o ex-diretor geral e ex-diretor financeiro da Casa de Tavares Bastos Luciano Suruagy do Amaral Filho são acusados de efetuar pagamentos desprovidos de qualquer amparo legal a servidores daquele Poder, em sua maioria, ocupantes de cargos comissionados. O prejuízo ultrapassa os R$ 3 milhões.
As investigações que culminaram com a propositura dessa ação tiveram como base o inquérito civil nº 001/2013, instaurado para apurar irregularidades cometidas na gestão da Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas entre os anos de 2009 e 2014. Durante todo esse período, Toledo exerceu a presidência do Legislativo. Já Marcelo Victor foi 1º secretário da Mesa no biênio 2009/2010 e 2º secretário em 2011, 2012, 2013 e 2014. E Luciano Suruagy do Amaral Filho ocupou as funções de diretor-geral e diretor-financeiro da ALE por igual tempo. Atualmente ele trabalha prestando serviços ao Tribunal de Contas de Alagoas, órgão do qual Fernando Toledo é conselheiro.
Para investigar a denúncia que constava na representação formulada pelo então deputado estadual João Henrique Caldas, o Ministério Público buscou informações junto a própria Casa Legislativa, porém, Fernando Toledo não encaminhou a documentação solicitada, o que obrigou o MPE/AL a ingressar com um pedido de busca e apreensão, que foi deferido pelo Judiciário. Os papéis e computadores apreendidos nessa medida cautelar acabaram por comprovar uma série de irregularidades.
Além disso, o Ministério Público também recebeu da Controladoria Geral da União a Nota Técnica nº 2673/2013/CGU-Regional/AL, resultante da análise e cruzamento da folha de pagamento da ALE com os bancos de dados a que a CGU tem acesso.
Como se dava o desvio
De acordo com o Ministério Público, a então Mesa Diretora praticou desvio de expressiva soma para o pagamento a servidores do Legislativo, sob o pretexto de “diferenças salariais” ou “verbas salariais em atraso”, sem o menor respaldo de legalidade que amparasse tal medida. Esse manobra resultou num prejuízo de precisos R$ 3.521.469,97 (três milhões, quinhentos e vinte mil, quatrocentos e sessenta e nove reais e noventa e sete centavos). “Para tal intento, a participação dos demandados foi imprescindível à sua concretização, razão pela qual devem ser responsabilizados e condenados às sanções por atos de improbidade administrativa. Fez-se verdadeira ‘farra’ com o dinheiro público, que escoou através de créditos sucessivos, em benefício de servidores – a grande maioria comissionados – sob o simplório e frágil argumento de ‘diferenças salariais’, permitindo-se, com tal estratagema, o desvio de mais de 3 milhões de reais, em escandaloso esquema criminoso, sem maiores dificuldades, dada a forma ousada com que se armou a trama para sangria de tais recursos dos cofres da ALE”, explica o MPE na ação.
“O referido ‘rombo’ milionário se operou através de folhas suplementares altamente seletivas em relação à escolha dos beneficiários, já que foram agraciadas diversas pessoas umbilicalmente ligadas aos deputados estaduais integrantes da Mesa Diretora de então e formalmente lotadas em seus gabinetes, ainda que muitos não trabalhassem, segundo os fortes indícios que podem ser extraídos dos presentes autos, especialmente dos depoimentos pessoais colhidos”, revela um trecho da petição.
O Ministério Público também descobriu que os beneficiários estavam inseridos em programas sociais do governo federal. “O escândalo é tão escabroso que alguns desses ‘felizardos’ encontravam-se cadastrados no Programa Federal Bolsa-Família, ou seja, seriam pessoas economicamente carentes, supostamente integrantes de núcleo familiar com renda per capita inferior a R$ 70,00 mensais. Ainda assim, receberam, somente nas tais folhas suplementares de setembro e outubro de 2012, valores que chegaram a R$ 58.000,00, por servidor”, aponta o MPE/AL.
Rompimento de contrato com a Caixa
O Ministério Público chamou ainda atenção para um fato que considerou estranho. Mesmo estando em plena vigência, a Assembleia Legislativa cancelou um contrato que tinha com a Caixa Econômica Federal (CEF), no valor de R$ 2,8 milhões, firmado em função da instituição financeira centralizar e processar os créditos provenientes de 100% da folha de pagamento gerada pelo Poder Legislativo de Alagoas. O Parlamento, sob o argumento de que precisaria rescindir o contrato em função dos “aumentos salariais concedidos aos servidores da ALE através da Lei 7.112/2009 e que acabaria por resultar no aumento da repercussão econômica da contratualização”, simplesmente optou por pagar uma multa equivalente a 20% do acordo anteriormente assinado com a CEF.
E após a rescisão, um novo contrato foi firmado com a mesma Caixa Econômica, só que, dessa vez, o banco teve que pagar um valor bem maior para poder continuar administrando a folha de pagamento do Legislativo. “Estranhamente, a CEF não se insurgiu contra esse novo procedimento. Pelo contrário, cuidou de apresentar nova proposta no valor de R$ 4.815.000,00 (quatro milhões, oitocentos e quinze mil reais), montante que ultrapassava em R$ 2.815.000,00 do contrato anterior. Observe-se, a propósito, que tal aporte de recursos para a ALE se operou, justamente, em período bem próximo a pleito eleitoral no Estado (eleição para prefeito e vereador: mandato 2013-2016, o que faz emergir elevado sobressalto e suspeita acerca do real destino que se tencionava emprestar a tais valores que a ALE iria receber da CEF”, questionou o MPE/AL na ação.
“Assim, deduzida a multa de R$ 914.210,52, restou o saldo de R$ 3.900.789,47 (três milhões, novecentos mil, setecentos e oitenta e nove reais e quarenta e sete centavos) para ser gasto da forma que melhor aprouvesse aos integrantes da Mesa Diretora de então. Então, os valores desviados da ALE nesse esquema tiveram como destino a conta bancária de diversos servidores, na expressiva maioria ligados aos gabinetes de deputados, ocupantes de cargos comissionados. Essa certeza advém da análise das informações bancárias prestadas pela CEF, bem como, do conteúdo dos documentos apreendidos na Assembleia, em razão do mandado de busca e apreensão expedido. Nessa apreensão foi obtido um HD externo, que se encontrava na Diretoria de Recursos Humanos da Assembleia. Após ser espelhado e analisado, foram encontrados no HD arquivos que permitem confirmar as práticas de distribuição dos pagamentos irregulares aos servidores”, completou o Ministério Público.
Pelo que analisou o MPE/AL, nas várias pastas e subpastas que foram encontradas no mesmo computador, o arquivo denominado ‘extras.pdf’ contém, dentre outros documentos, páginas escaneadas com planilhas e dados referentes ao pagamento dos funcionários no mês de setembro de 2012, “com a exata distribuição que caberia a cada deputado agraciado com a divisão dos recursos auferidos da CEF. Os manuscritos, também escaneados e contidos nesse arquivo, dão a exata noção de que os recursos da ALE eram administrados de forma irresponsável e voltados para a satisfação dos interesses dos parlamentares alinhados com a Mesa Diretora”, detalha um outro trecho da petição.
‘Beneficiados’ eram pobres
A certeza do Ministério Público de que o dinheiro apenas era depositado na conta dos servidores, mas, que a quantia não era usufruída por eles também veio dos depoimentos colhidos e da análise feita no perfil dos destinatários dos créditos. Joana Darc da Silva, por exemplo, recebeu mais de R$ 104 mil apenas no mês de setembro de 2012, mesmo sendo beneficiária do Programa Bolsa Família, o que foi confirmado por ela mesma, em depoimento prestado ao MPE/AL. Da mesma forma, sua filha Iris da Silva Gouvea também recebeu valor semelhante de R$ 104 mil, assim como o seu marido, Gildo Gouvea dos Santos, que ganhou cerca de R$ 65 mil. “Daí se conclui que, somente essa família, de perfil “Bolsa Família”, recebeu R$ 257.262,23 dos cofres da ALE. Impende frisar que, no mesmo mês de setembro de 2012, o salário bruto oficial de Joana Darc da Silva era de R$ 640,08, correspondente ao cargo de assessor administrativo, nível SP-02, que a mesma ocupava, conforme contracheque anexado. Logo, através de uma absurda ‘jogada’, nesse mês, tal servidora recebeu mais de 100 vezes o seu salário oficial! Todavia, é sabido que essa funcionária, assim como outros muitos servidores da ALE, percebiam valores além do salário oficialmente registrado, absolutamente eivados de irregularidades”, também revela a ação.
Somente do ‘núcleo’ (grupo de funcionários) pertencente a Fernando Toledo foram destinados mais de R$ 876 mil a título de ‘folhas suplementares’, mediante sucessivos créditos indevidos e ilegais. E, claro, a irregularidade foi praticada em função da sua condição de presidente da Assembleia Legislativa e ordenador principal das despesas daquele Poder.
O deputado estadual Marcelo Victor, que secretariava a Mesa Diretora no período apurado pelas investigações, foi mais ousado. O seu ‘núcleo’ recebeu cerca de R$ 1,1 milhão nas folhas suplementares, o que equivaleu a 33% de todos os valores pagos. E ele também tinha funcionários com poder aquisitivo baixo que receberam quantias vultuosas em suas contas correntes. Em setembro de 2012, segundo a ação, “Maria Silvania Gama Macedo, secretária parlamentar, grau de escolaridade ensino médio, lotada no gabinete do deputado Marcelo Victor, confirma o recebimento “extra” de R$ 51.249,63 (cinquenta e um mil, duzentos e quarenta e nove reais e sessenta e três centavos) em setembro de 2012. Da mesma forma e com idêntico modus operandi, cite-se Nelma Martiniano Farias Ribeiro, cargo de assessor parlamentar, beneficiária do Bolsa-Família que mora no Povoado Riacho Fundo, zona rural de Lagoa da Canoa, também lotada no gabinete de Marcelo Victor. Nelma alega comparecer à ALE uma vez por semana, tendo recebido, a título de diferenças, somente em setembro de 2012, o mesmo montante de R$ 51.249,63. Informa que a renda familiar chega a R$ 25.000,00 (seu marido também trabalha no mesmo gabinete parlamentar), mas ninguém de seu núcleo familiar possui plano de saúde, os filhos estudam em escola pública, todos se locomovem em transporte público por não serem proprietários de qualquer veículo. Também não detém qualquer reserva financeira, ainda de acordo com seu depoimento. De forma inconteste, estar-se diante de evidências aptas a indicar que o dinheiro que era creditado em sua conta, em verdade, destinava-se ao referido deputado, mas a declarante, possivelmente por temer ser demitida e ante a possibilidade de estar a receber alguma parca “gratificação” pelos “serviços prestados” ao parlamentar, insiste em negar o óbvio”, detalha o Ministério Público.
E teve ainda candidato ao cargo de prefeito que estava na folha suplementar. Também ligado a Marcelo Victor, Wladimir Chaves de Brito, às vésperas do pleito em que foi eleito, recebeu diferenças na folha suplementar de setembro de 2012, perfazendo o total de R$ 22.459,22.
Outros parlamentares beneficiados
O esquema montado beneficiou muitos outros servidores e parlamentares. De acordo com o que foi apurado, não só os gabinetes de Fernando Toledo e Marcelo Victor foram contemplados. Os deputados estaduais Dudu Holanda, Edval Gaia, Isnaldo Bulhões, Jeferson Morais, João Beltrão, Joãozinho Pereira, Jota Cavalcante, Luis Dantas, Marcos Barbosa, Marcos Madeira, Maurício Tavares, Ricardo Nezinho, Ronaldo Medeiros, Sérgio Toledo e Severino Pessoa. “Assim, do total de R$ 3.521.469,97, mais de 96% (R$ 3.383.685,37) foram destinados exclusivamente ao pagamento de valores indevidos para servidores comissionados indicados pelos 17 parlamentares beneficiados e autorizados pelos demandados”, acrescenta o MPE/AL.
Sonegação de impostos
E além da prática das ilicitudes já explicitadas, somam-se outras condutas que também lesaram, de forma significativa, os cofres do Poder Executivo, uma vez que, nessas tais “folhas suplementares” ou “extras” que eram transmitidas à CEF, não eram feitos os descontos ou retenções dos valores devidos a título de Imposto de Renda e Previdência, ou seja, os pagamentos eram “cheios”, imunes às tributações legalmente impostas. “De fato, não é possível se falar em repasse de Imposto de Renda se este não é calculado e informado aos órgãos competentes, para fins de controle e aferição. Noutras palavras, a sanha amoral com que se deram tais desvios foi tão intensa que os pagamentos das malsinadas folhas suplementares consistiram em valores brutos, sem incidência de qualquer desconto legal. Vale ressaltar que o débito produzido pelos parlamentares, ora demandados, com a ajuda dos “operadores” do criminoso esquema, ainda permanece em aberto, em flagrante prejuízo ao povo alagoano, já que tal montante, decorrente de tributos não recolhidos, poderia ter sido utilizado em áreas públicas essenciais, com vistas à mitigação do flagelo de que padece a classe alagoana menos favorecida economicamente”, alega o procurador-geral de Justiça, Sérgio Jucá.
Dos pedidos
Diante do valor elevado da fraude, o Ministério Público pede a indisponibilidade dos bens de Fernando Toledo, Marcelo Victor e Luciano Suruagy do Amaral Filho a fim de garantir reparação do dano causado ao erário. Nesse sentido, o órgão ministerial pede que seja bloqueado e decretado indisponíveis todos bens imóveis, móveis (veículos) e semoventes em nome deles, dentro ou fora do Estado de Alagoas.
O MPE/AL também pede que sejam declaradas indisponíveis para comercialização todo o gado bovino localizado nas propriedades rurais pertencentes aos acusados, além do bloqueio de qualquer transferência de veículos dos demandados, das contas bancárias e de todas as cotas decorrentes de sociedade que eles possuírem em empresas comerciais.
No que se refere ao mérito da ação, o MPE/AL requereu a condenação dos acusados ao ressarcimento dos danos patrimoniais causados aos cofres públicos, com a devida correção monetária. Em observância à Lei nº 8.429/1992, a condenação dos réus deve incluir a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos e o pagamento de multa civil.
Segundo a Lei de Improbidade Administrativa, os demandados também devem ser proibidos de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, na medida de suas responsabilidades.