Integrantes das equipes de investigação da Lava-Jato em Brasília identificam um problema central no projeto de lei sobre abuso de autoridade proposto pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL): a possibilidade de ações privadas subsidiárias num prazo de 15 dias, ou seja, a permissão para que ações sejam apresentadas por pessoas que alegarem ser vítimas de abuso de autoridade. Propor este tipo de ação, hoje, é uma competência do Ministério Público. O projeto de Renan permite as ações privadas caso o MP nada faça em 15 dias.
Renan é investigado em oito inquéritos da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chegou a pedir a prisão preventiva do presidente do Senado, por entender que ele atrapalhava as investigações no exercício do cargo. O ministro Teori Zavascki negou o pedido. Desde então, o senador vem dando sinais de confrontação com Janot. Primeiro, ameaçou aceitar um pedido de impeachment do procurador-geral. Depois, protocolou o projeto que trata de abuso de autoridade.
A especificação sobre ações privadas está nos parágrafos quinto e sexto do artigo 3º. “Será admitida ação privada subsidiária, a ser exercida se a ação pública não for intentada pelo Ministério Público no prazo de 15 dias”, diz o texto. “A ação privada subsidiária será exercida no prazo de seis meses.”
A proposta terá tramitação terminativa na Comissão de Consolidação da Legislação Federal e Regulamentação da Constituição. O colegiado foi criado por Renan e é presidido pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), também investigado na Lava-Jato. Jucá foi demitido do cargo de ministro do Planejamento do governo interino de Michel Temer por supostamente tentar atrapalhar a operação.
“A ação penal nos casos dos crimes ora tipificados é pública condicionada à representação do ofendido, sendo que, em caso do não ajuizamento da ação no prazo devido pela autoridade competente, conceder-se-á prazo para que o ofendido possa ajuizar a ação penal privada”, justificou Renan no projeto. O presidente do Senado lembrou ainda “a possibilidade de o ofendido buscar as devidas reparações também nas esferas cível e administrativa”.
Para um investigador da Lava-Jato que atua nos inquéritos no STF, os políticos querem, com o projeto, fazer “bullying judicial”:
— Esta situação é muito parecida com o que fizeram na Itália (na Operação Mãos Limpas), em que se tentou criminalizar os investigadores.
A Associação dos Juízes Federais (Ajufe) sustentou em nota que o projeto de Renan “parece uma tentativa de intimidação de juízes, desembargadores e ministros do Judiciário na aplicação da lei penal em processos envolvendo criminosos poderosos”. O projeto, que tramitou na Câmara até 2009, prevê punição para servidores da administração pública e integrantes dos Poderes Legislativo, Judiciário e do MP. O texto proíbe “o uso de algemas ou de outro objeto que tolha a locomoção” quando não houver “resistência à prisão”. O projeto também se propõe a evitar grampos sem autorização judicial.
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