A coligação da presidente Dilma Rousseff (PT) elegeu 304 deputados federais em outubro de 2014. O apoio destes parlamentares já não era seguro na época, mas agora o governo se debate para garantir que ao menos 172 dos 513 deputados se recusem a apoiar o impeachment, mínimo necessário para evitar que o caso siga para o Senado. Cientistas políticos apontam como causa crucial das dificuldades de Dilma no Congresso a vitória de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), seu desafeto, na eleição para a presidência da Câmara.
“A eleição de Cunha é chave na crise política”, afirma Malco Camargos, doutor em ciência política e professor da PUC-MG. Para ele, Dilma cometeu um grande erro ao enfrentar Cunha e apoiar a candidatura do deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP) em fevereiro do ano passado. “Dilma poderia ter feito uma coalizão com o PMDB, principal partido de sustentação do governo, apoiar Eduardo Cunha ou outro nome do PMDB.”
O professor Antonio Testa, cientista político da UnB (Universidade de Brasília), diz, porém, que Dilma “não faz acordo com ninguém”. A relação entre Dilma e Cunha, comenta o docente, já estava estremecida desde o primeiro mandato, quando o deputado era líder da bancada do PMDB.
Segundo o pesquisador, a raiz do descontentamento do parlamentar seria a perda de espaço para indicações em Furnas, empresa subsidiária da Eletrobras, fato também mencionado pelo senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS) em sua delação na operação Lava Jato.
A relação de Dilma com o vice-presidente Michel Temer também ficou abalada no mandato anterior. “A rixa com Temer vem desde a primeira eleição. O desgaste foi crescendo. Um dos principais erros dela foi se afastar de Temer, em vez de dar atribuições a ele. Ele seria um bom articulador no Congresso.”
“Os constantes descontentamentos da base aliada impulsionaram o PMDB a não compor com o PT na Câmara”, acrescenta Leon Victor de Queiroz, professor de Ciência Política da Universidade Federal de Campina Grande (PB).
Cercada e sob tempestade
A tentativa de derrotar Cunha na eleição da Câmara teve efeitos desastrosos para Dilma. O peemedebista assumiu a presidência da Casa e influenciou a definição do comando de praticamente todas as comissões. Uma consequência nada usual, frisa Antonio Testa, é que o partido com a segunda maior bancada, no caso o Partido dos Trabalhadores, ficou sem poder de decisão nas comissões. Além disso, Cunha impôs a tramitação de uma série de pautas contrárias aos interesses do governo e do PT — Dilma conseguiu apoio no Senado para desarmar bombas aprovadas pelos deputados.
Cunha, afirma o professor da UnB, influencia boa parte dos deputados porque negocia cargos nas comissões, é um especialista no regimento interno, possui boa assessoria jurídica, tem capacidade de convencimento e cooptação.
Dilma se viu cercada pelo PMDB. Leon de Queiroz diz que a tríade formada pelo partido de Temer e Cunha é inédita na história do país: ter a vice-presidência e ocupar as presidências da Câmara e do Senado, este comandado por Renan Calheiros (AL).
Outras nuvens engrossaram a tempestade sobre o governo Dilma: as investigações da operação Lava Jato, os problemas na Petrobras, a crise econômica e a movimentação da oposição para contestar a vitória eleitoral da presidente e o próprio mandato dela.
“Essa conjunção de fatores fez a presidente perder apoio popular e apoio congressual, mas não pelas mesmas razões. A perda de apoio popular se deve ao pessimismo que se instalou em virtude da economia e da crise política. Já a perda de apoio no Congresso tem a ver com a fechada das ‘torneiras’ dos recursos que o governo dispunha para sustentar sua base aliada”, analisa Queiroz.
Em atrito com o PMDB, Dilma tem outro obstáculo no Congresso: a fragmentação partidária. “Nenhum presidente teve um Congresso tão fragmentado, com tantos partidos. A negociação é mais individual e menos coletiva, o que aumenta os custos de transação”, observa Malco Camargos.
O governo ficou com pouco poder de barganha. “Dilma não conseguiu aprovar nada de relevante na Câmara no segundo mandato”, ressalta Antonio Testa.
O pedido de impeachment
Eduardo Cunha acolheu o pedido de impeachment contra Dilma em dezembro de 2015, no mesmo dia em que o PT decidiu votar contra o peemedebista na Comissão de Ética, onde ele é investigado. O governo diz que o peemedebista agiu para se vingar.
No pedido, Dilma é acusada de ter praticado manobras contábeis com bancos estatais, as chamadas pedaladas fiscais, e por emitir decretos de créditos suplementares que desrespeitariam a meta fiscal.
A defesa da presidente argumenta que as pedaladas fiscais não configuram crime de responsabilidade porque não são empréstimos, mas atrasos previstos nos contratos de serviço entre bancos e governo.
O governo alega que os decretos foram emitidos depois de cortes no Orçamento e que eles não elevaram os gastos previstos.
Paradoxos do PMDB
Paradoxalmente, o PMDB tem dificuldades para se afastar do governo Dilma, de investigações e denúncias. Apesar de o partido ter anunciado o rompimento com o governo, ministros peemedebistas permanecem com a presidente.
Assim como Dilma, Temer assinou decretos de créditos suplementares e também há pedidos de impeachment contra ele.
Tramitam no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ações que podem levar à cassação da chapa Dilma-Temer e à organização de uma nova eleição presidencial.
Além disso, o PMDB tem líderes importantes citados e investigados na operação Lava Jato — Cunha, inclusive, já é réu. Ao final do processo que tramita na Câmara, ele pode ser cassado.
O jogo do poder
Para evitar o encaminhamento do pedido de impeachment para o Senado, o governo tenta garantir os votos de dissidentes do PMDB e de deputados de partidos menores.
Segundo o professor da UnB, o momento é de um jogo pesado de interesses, com barganhas e possibilidades de compra de votos, tanto por parte dos contrários quanto dos defensores do impeachment. “Isso é velado, mas é real. É o jogo do poder. Ninguém vai votar sem ganhar nada. Não é um jogo de amadores.”
Mesmo que o pedido de impeachment seja barrado na Câmara, a situação do governo deve permanecer complicada. Cunha pode dar sequência a outros pedidos de interrupção do mandato, e Dilma continuará com dificuldades para conseguir aprovar projetos na Câmara.
Quanto ao futuro de Cunha, os analistas se dividem. Para Malco Camargos, o STF (Supremo Tribunal Federal) pode tomar em breve alguma decisão contrária ao presidente da Câmara.
Se o pedido de impeachment avançar e Temer chegar à presidência, Queiroz e Testa acreditam que Cunha escapará da cassação.
UOL