O zika é minúsculo, de simplicidade espartana e nem por isso um inimigo menos brutal. Mas pistas que prometem ajudar a controlá-lo chegam de laboratórios do Rio de Janeiro. Surgem do sequenciamento genético do zika que circula no Brasil. A análise, feita pelo Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, aumenta a suspeita de que a epidemia se propaga depressa impulsionada também por outro meio que não só o Aedes aegypti, embora o mosquito seja indiscutivelmente o maior transmissor. E reforça a tese de que ele poderia afetar o organismo humano associado a outros fatores, como vírus diferentes.
Na quarta-feira, o ministro da Saúde, Marcelo Castro, defendeu o engajamento da população na eliminação de criadouros do mosquito Aedes aegypti, que transmite o vírus zika. O ministro disse que essa é a única forma de evitar uma “geração de sequelados no Brasil”.
O trabalho imprescindível para combater a epidemia foi realizado pelo grupo de Amílcar Tanuri, chefe do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, um dos mais respeitados do país em genética viral. Tanuri sequenciou, isto é, analisou o genoma de vírus zika extraídos do líquido amniótico de dois fetos em gestação em Joazeirinho, na Paraíba. Um trabalho em parceria com Adriana Melo, diretora do Instituto de Pesquisa Professor Joaquim Amorim Neto, em Campina Grande, na Paraíba; e Ana Bispo, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), no Rio.
O sequenciamento genético, importante para compreender a doença, revelou que a linhagem do zika no país parece igual à que causou epidemia na Polinésia Francesa, em 2013.
— O zika é 54% idêntico ao vírus da dengue e tem 80% de similaridade de proteínas — afirma Tanuri.
Isso significa que é muito difícil identificar as particularidades que o tornam tão perigoso. E aumenta o mistério de o zika se propagar muito mais depressa do que a dengue.
— Levada pela asas do Aedes, a dengue 4 levou cerca de três anos para se disseminar pelo Brasil. Desde maio de 2015, quando os primeiros casos de zika foram registrados na Bahia, o vírus se espalhou para 19 estados. O Aedes é seguramente um vetor. Mas será o único meio de transmissão? — destaca Tanuri.
Estudos menores, no exterior, indicaram que o vírus presente não só no sangue, mas na urina, no sêmen e no leite materno, poderia ser passado de uma pessoa para outra por meio de fluidos corporais. Para Tanuri, o contágio pessoal deve ser investigado com maior atenção. Cientistas experientes, como Tanuri, não estão convencidos de que o zika seja a única causa de microcefalia e outras complicações.
— Ele poderia estar associado a mais vírus. Outra possibilidade é que a infecção pelo zika seja uma espécie de gatilho para reações do próprio organismo humano — explica.
Ninguém sabe tudo o que zika faz com o ser humano. Aqui, como na Polinésia Francesa, ele tem sido associado à microcefalia. Cientistas dizem que o número menor de casos de microcefalia na Polinésia pode se dever ao fato de que fetos com defeitos graves foram abortados.
O zika em circulação na Guiana Francesa e no Suriname também teve sequenciamento genético anunciado esta semana por cientistas do Instituto Pasteur na Guiana. Sabem que é o mesmo da Oceania. Mas não há explicação conclusiva, para a associação com a síndrome de Guillain-Barre, causadora de complicações neurológicas.
— O vírus circula com outros agentes e fatores e eles tornam sua ação mais agressiva? Talvez, não temos respostas — disse o líder do estudo, Dominique Rousset, no artigo publicado na revista médica “The Lancet” desta semana.
Se sobram dúvidas, faltam recursos para as pesquisas. O laboratório da UFRJ está sem suprimentos para testes sorológicos, vitais para detectar o vírus.
— Também não temos kits para trabalhar com outros vírus que poderiam estar associados ao kit. Foi uma tremenda falta de sorte esta epidemia vir num momento tão ruim — lamenta Tanuri.
“TUDO COM O ZIKA É DIFERENTE”
Pós-doutoranda em seu laboratório, Luiza Higa enfrenta o desafio de investigar um micro-organismo que escapa de todas as formas convencionais de estudo. Luiza é uma especialista na genética do vírus da dengue 2 e trabalha também com o chicungunha.
O dengue 2 tem fama de difícil de trabalhar, mas não é um obstáculo para Luiza, pesquisadora com fama de incansável, capaz de passar horas trancafiada num laboratório de segurança, em busca de sinais de fraqueza do micro-organismo. O zika é o maior desafio que Luiza já enfrentou:
— Tudo com o zika é diferente. Ele tem se mostrado muito esquivo. Geneticamente se parece com a dengue. Mas isso não tem nos ajudado. Ele desaparece do sangue depressa para reaparecer na urina dos pacientes. Não se multiplica bem em laboratório.
Os pesquisadores precisam de mais vírus para desenvolver testes eficazes de detecção — os testes sorológicos específicos.
Esses testes poderão distinguir, com segurança, os casos de malformações e doenças neurológicas causadas pelo zika dos demais. Podem monitorar o avanço da epidemia, avaliar a segurança de gestantes e o estado dos demais pacientes, se eles têm, de fato, a doença e podem transmiti-la — uma arma essencial na batalha contra a doença, à espera de recursos.
O Globo