Os debates virulentos na campanha eleitoral de 2014 davam sinais de que 2015 seria um ano difícil para a política e para a presidente Dilma Rousseff. Às vésperas de 2016, governistas e aliados continuaram acusando a oposição de direita e centro-direita de promover um terceiro turno das eleições. A passagem dos meses, porém, mostrou ao Palácio do Planalto que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) foi perdendo o protagonismo de maior algoz do governo e cedendo espaço a um nome que surgiu da própria base aliada do governo: o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
As desavenças começaram dentro do próprio Partido dos Trabalhadores, já em janeiro, quando a sigla resolveu lançar candidato próprio à Presidência da Câmara. Enquanto alguns alertaram para o fato de que o governo estaria comprando uma briga com o PMDB, maior partido da base aliada, outros preferiram apostar no deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) para comandar a Casa, já prevendo o potencial de “homem bomba” de Eduardo Cunha. A previsão se tornou fato consumado a partir do dia 1º de fevereiro, quando o peemedebista foi eleito pelos deputados e declarou que seu mandato não se submeteria às demandas do Executivo.
Às sucessivas derrotas que a Câmara vinha impondo ao governo em votações em plenário, a partir da gestão Cunha no Parlamento, cientistas políticos alertaram para os riscos de paralisação da agenda do governo. Alguns analistas chegaram a falar em ascensão de uma governança de viés semiparlamentarista para comentar as dificuldades do Executivo e a falta de sintonia entre os Poderes.
Mas a falta de unanimidade de Eduardo Cunha não foi apenas com o Planalto. Embora ele ainda se sustente no cargo graças aos seus muitos aliados na Câmara, o presidente da Câmara foi muito criticado por seus pares ao longo do ano por manobrar por diversas vezes o Regimento Interno da Casa para votar tudo o que era do interesse de seu grupo. A principal polêmica, logo no início de 2015, foi com o financiamento empresarial de campanha. A “reforma das reformas”, segundo a presidente Dilma, levou o nome de “anti-reforma” pela maneira como saiu do Parlamento.
O contraponto a Cunha foi o presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que, como aliado do governo, conseguiu equilibrar o jogo político. O Senado, aliás, foi o porto seguro de Dilma nas votações. Foi também o Senado que travou, além do financiamento de campanha por empresas e o voto distrital na reforma política, projetos de lei de perfil conservador, como o que reduzia a maioridade penal de 18 para 16 anos.
Diante das tentativas de Cunha de fazer valer suas vontades, colocando o regimento interno de lado, o Supremo Tribunal Federal (STF) interveio para cancelar o ritual do processo de impeachment da presidente Dilma, ao estabelecer que a definição da Comissão Especial do impedimento não poderá ser por votação secreta e que o Senado terá pode de decidir pelo afastamento ou não da presidente enquanto o processo não é julgado.
Apesar das derrotas do Executivo e a baixa popularidade da presidente Dilma, o mês de dezembro acenou com alguma esperança, com a intervenção do Supremo, o anúncio do governo de quitação das pedaladas fiscais e o enfraquecimento de Eduardo Cunha, que hoje sofre críticas até mesmo de seus aliados por não ter “legitimidade”, conforme muitos deles afirmam, depois das denúncias de corrupção e lavagem de dinheiro, para dar prosseguimento a um processo de impeachment de Dilma.
Alvejado pelo PSDB, principal opositor no Congresso Nacional, o Partido dos Trabalhadores, da presidente Dilma, viu nomes históricos da sigla envolvidos nas investigações da operação Lava Jato, que apura fraudes na Petrobras com empreiteiras. Mas, no apagar das luzes, os tucanos passaram de pedra à vidraça. Denúncias contra integrantes do PSDB, sempre abafadas pela grande mídia, ganharam as páginas dos jornais, com a condenação a 20 anos de prisão do ex-governador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) por peculato e lavagem de dinheiro, no esquema do mensalão mineiro. Na última semana do ano, a Lava Jato atingiu Aécio Neves (PSDB-MG), com a denúncia de um delator de que o tucano teria sido beneficiado por um repasse de R$ 300 mil da UTC Engenharia, empreiteira investigada na operação.
Lava Jato
Em meio às investigações da Operação Lava Jato, que desde 2014 apura denúncias de corrupção e superfaturamento na Petrobras, a presidenta da empresa, Graça Foster, deixou o cargo em fevereiro. A executiva da estatal já havia colocado o cargo à disposição mais de uma vez, mas Dilma recusava os pedidos de demissão dizendo conhecer a seriedade e a ética de Graça.
Ao longo do ano, os desdobramentos da operação da Polícia Federal e do Ministério Público atingiria outras peças do tabuleiro político. No mês de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) atendeu ao pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e decidiu abrir inquéritos para investigar autoridades com foro privilegiado. Os políticos que fizeram parte da chamada lista de Janot pertenciam, principalmente, aos partidos PP, PT e PMDB. Meses depois, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o senador Fernando Collor (PTB-AL) foram denunciados por Janot ao STF.
Os capítulos dessa fase da Operação Lava Jato, porém, não parariam por aí. Na manhã do dia 25 de novembro, o líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS), foi preso por tentar obstruir as investigações penais. Delcídio e André Esteves, ex-controlador do banco BTG Pactual, que também foi preso mas libertado algumas semanas depois, foram denunciados posteriormente no Supremo.
Início de mandato
Compondo inicialmente um ministério que não agradou a todos os partidos da base aliada, a presidenta recebeu críticas de parte da sociedade. Integrantes de movimentos sociais e alguns membros do seu próprio partido, o PT, não gostaram da escolha de Joaquim Levy para o ministério da Fazenda. Para o ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, entidades ligadas ao campo rechaçaram a nomeação da senadora ruralista Kátia Abreu (PMDB-TO).
O discurso de posse de Dilma, em janeiro, deu o tom do que deveria ser o novo governo. Com o lema Brasil, Pátria Educadora, Dilma anunciou a educação como prioridade dos quatro anos de seu segundo mandato. Em apenas um ano, porém, o ministério da Educação teve quatro ministros (um deles interino). Cid Gomes (PDT) entregou o cargo em março após deflagrar uma polêmica com o Congresso Nacional e com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e Renato Janine Ribeiro foi exonerado do posto no mês de setembro, quando a presidenta fez mudanças em sua equipe, nomeando Aloizio Mercadante novamente para o cargo.
Popularidade em baixa
Prática comum para um presidente da República, o pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão, no Dia Internacional da Mulher, na noite de 8 de março, gerou protestos, panelaços e buzinaços em várias cidades do país.
Sete dias depois, mais de um milhão de pessoas promoveram manifestações contra o governo em várias capitais. Em menor escala, as pessoas também foram às ruas nos meses de abril, agosto e dezembro. O número de pessoas que aprovam o governo diminuiu, e houve aumento no percentual dos que acham o governo ruim ou péssimo, segundo pesquisas de opinião pública.
Vitórias no Congresso
Apesar das críticas à condução da política econômica, o governo conseguiu vitórias necessárias ao longo do ano. Após negociar durante todo o primeiro semestre, a base aliada viu serem aprovadas as principais medidas provisórias do ajuste fiscal, que alteraram as regras para a concessão de benefícios trabalhistas, previdenciários e a que aumentou as alíquotas da contribuição incidente sobre as importações.
Além disso, depois de adiar por algumas vezes a votação, o Congresso Nacional manteve vetos presidenciais que, se fossem derrubados, resultariam em mais despesas para a União: o reajuste dos servidores do Judiciário, a extensão da política de valorização do salário mínimo aos aposentados e o projeto alternativo ao fator previdenciário. No fim do ano, o governo ainda comemorou a aprovação do projeto que vai regularizar o retorno do dinheiro enviado ao exterior de forma não declarada à Receita Federal, mediante o pagamento de multa e imposto.
Depois de reduzir por duas vezes a meta de esforço fiscal para este ano, o governo conseguiu aprovar um déficit de R$ 119,9 bilhões, e com isso reverteu um bloqueio de gastos que havia impedido viagens presidenciais e que poderia atrasar o pagamento de despesas com água, luz e pagamento de terceirizados.
Articulação política
Durante os primeiros meses do ano, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), demonstrou que poderia causar mais problemas ao governo do que o próprio Cunha. Em março, devolveu uma medida provisória assinada pela presidenta Dilma que reduzia a desoneração da folha de pagamentos, alegando que a proposta deveria ser discutida por meio de projeto de lei. Um mês depois, quando foi anunciado que Dilma não faria o tradicional pronunciamento por ocasião do Dia do Trabalho, Renan disse que a decisão enfraquecia o governo e que “as panelas precisam se manifestar”. Ao longo do ano, porém, o presidente do Senado se tornou um importante aliado do governo.
Para negociar com o Congresso Nacional, a presidenta convidou o vice-presidente Michel Temer, que se tornou articulador político do governo. Desde abril, além de atuar pela aprovação das matérias de interesse do Executivo, Temer mediou a distribuição de cargos federais nos estados e agilizou a liberação de emendas parlamentares.
Em agosto, porém, o vice-presidente se afastou das atividades e deu espaço para que Dilma alterasse a equipe. Nas semanas seguintes, o governo começou a preparar uma reforma administrativa que cortaria oito dos 39 ministérios, diminuiria o número de cargos comissionados e reduziria gastos de custeio.
Michel Temer
Ao mesmo tempo, a presidenta iniciou conversas com o objetivo de colocar ministros que trouxessem mais apoio a ela no Congresso Nacional. Convidado a participar, Temer, que é presidente nacional do PMDB, preferiu não indicar nomes. A composição da nova equipe, com a concessão de mais uma pasta ao partido, foi obtida após conversas com lideranças da legenda na Câmara dos Deputados.
Outra mudança da reforma, anunciada em outubro, foi o ingresso no Palácio do Planalto de nomes mais próximos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: Jaques Wagner, Ricardo Berzoini e Edinho Silva. Além disso, a presidenta passou a se encontrar de modo mais recorrente com o antecessor.
O desgaste com Temer, porém, se agravou em dezembro, depois que a Câmara aceitou um pedido impeachment contra Dilma. Dias depois da abertura do processo na Casa, sem antes ter feito nenhuma declaração pública sobre o assunto, o vice-presidente enviou uma carta de caráter pessoal a Dilma, se queixando de ter sido um “vice decorativo” no primeiro mandato. No comunicado, Temer enumera situações em que se sentiu menosprezado pela presidenta e que indicariam desconfiança dela em relação a ele e ao PMDB.
Impeachment
Demonstrando apoio ao mandato presidencial, movimentos sociais organizaram um ato contra o impeachment em dezembro, levando milhares de pessoas às ruas de dezenas de cidades em todas as regiões do país. Um dia depois, representantes de mais de sessenta entidades da sociedade civil se reuniram com Dilma e disseram que não há base legal para o afastamento da presidenta. Antes, manifestações semelhantes de apoio já haviam sido feitas por uma parcela dos governadores, de prefeitos de capitais e de juristas.
No final do ano, a presidenta trocou também o comandando do Ministério da Fazenda. No lugar de Joaquim Levy assumiu o então ministro do Planejamento Nelson Barbosa. Ao assumir o cargo, o novo ministro prometeu que vai cumprir a meta fiscal para o ano que vem e que os compromissos com o ajuste fiscal serão mantidos.
Uma das últimas apostas do governo no ano acabou surtindo efeito e dando alívio para a presidenta Dilma Rousseff. Ao definir o rito do procedimento de impeachment contra ela, o STF transferiu para o Senado a última palavra sobre o processo e definiu que a eleição da comissão na Câmara que vai analisar o assunto deverá ser aberta. Os desdobramentos desse e de outros acontecimentos, porém, só serão conhecidos em 2016.
Por Jornal de Floripa