O funcionário público aposentado Carlos Fernandes, 61 anos, faz suas caminhadas todos os dias à beira do mar de Copacabana, no Rio, com um carrinho de bebê. Morador do Leme, ele aproveita para unir o exercício físico com o passeio do filho David, de 8 meses. A esposa, advogada, tem 36 anos. Fernandes está em seu segundo casamento, mas no primeiro filho. “Não havia encontrado a pessoa certa”, explica. Ele está aposentado há 14 anos, desde que encerrou sua carreira de funcionário do Judiciário, aos 47 anos. “Comecei a trabalhar aos 10, por isso parei tão cedo”, explica.
Sua história resume os vários aspectos atuariais do rombo da Previdência no país. Ele já recebe o benefício há muito tempo, e continuará a receber por muito mais. A administradora hospitalar Lourdes Leite, 51 anos, moradora de Goiás (GO), aposentou-se há dois meses, depois de 30 anos de trabalho. Ela continua no atual emprego, como coordenadora de um hospital, mas pretende parar daqui a dois meses. “A rotina é muito pesada. Se não fosse, eu continuaria”, diz. Ela não pretende ficar em casa: vai abrir uma loja de roupas.
A expectativa de vida de quem está nascendo agora é de 75 anos. Mas, para quem já conseguiu chegar à idade madura, a conta é diferente. Esse grupo será menos sujeito a acidentes de carro, violência e doenças que atingem os mais jovens. Tendem a viver, portanto, muito mais. Quem chega aos 60 anos vive, em média, mais 22, até os 82. Em 1940, a expectativa dos sexagenários era chegar apenas aos 73. Esposas e filhos jovens, como no caso da família Fernandes, se transformam em um custo prolongado para o sistema previdenciário, pois são grandes as chances de que herdem uma pensão do titular.
Rombo crescente Não por outra razão, a Previdência Social brasileira é uma das mais deficitárias do mundo. Neste ano, o deficit será de R$ 88,9 bilhões. No próximo, R$ 124,9 bilhões. Isso significa que mesmo os desempregados estão financiando, com os impostos que pagam, as pensões do sistema previdenciário. E esse dinheiro deixa de ser aplicado em escolas, hospitais, saneamento básico e rodovias. Em 1988, os gastos apenas do setor privado representaram 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Hoje, estão em 7,5%. Quando se junta a isso o pagamento das aposentadorias rurais e de funcionários públicos, em que o deficit é ainda maior, o quadro fica ainda mais assustador. A despesa total era 13,7% do PIB em 1991 e hoje está em 22,5%.
Com o aumento no número de idosos no país, a situação ficará ainda pior. A faixa de pessoas com mais de 65 anos representava 5,61% da população no ano 2000. Hoje, são 7,9%. Em 2060, serão 26,77%. Nos próximos 40 anos, o total de benefícios deverá ser multiplicado por 3,3. “O problema é que não é apenas a população que está envelhecendo, mas também a faixa etária idosa”, nota o economista Paulo Tafner, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). A faixa com mais de 80 anos representava, em 1950, 5,5% do total de idosos (com mais de 60 anos). Em 2010, eram 13,8%. Em 2050, serão 28,2%.
Os brasileiros vivem mais do que no passado, e recebem benefícios por período extra. Seria, portanto, necessário adaptar o sistema, postergando as aposentadorias. As iniciativas do Executivo, porém, têm sido tímidas, avalia o economista Fabio Giambigi, um dos principais analistas da questão previdenciária no país. “O governo adota uma política de avestruz”, afirma. Ele está longe de ser uma voz isolada. “A hora de consertar o telhado é agora, aproveitando o clima favorável. Mas o brasileiro gosta de ir para a praia quando está sol, então não terá alternativa a não ser trocar as telhas quando estiver caindo uma tempestade”, alerta o economista Renato Fragelli, professor da Fundação Getulio Vargas.
Neste ano, o Congresso quase derrubou o fator previdenciário, sistema que procurava obrigar as pessoas a trabalhar por tempo maior caso desejassem receber benefícios maiores. A regra continua valendo, mas de forma alternativa. Quem preferir, pode optar por uma regra menos draconiana, que obriga homens e mulheres a atingir, respectivamente a soma de 95 anos e 85 anos entre idade e tempo de contribuição. Se isso valesse 14 anos atrás, o funcionário Carlos Fernandes seria comunicado de que teria de esperar mais tempo para se aposentar. E não necessariamente conseguiria após esse prazo, pois a soma de idade e tempo de contribuição será progressivamente ampliada.
Estado de Minas