Duas paradas cardíacas e três meses ligado a um coração artificial é parte da história de Gustavo Henrique de Oliveira, que deve completar 1 ano no próximo dia 25, à espera um transplante. “Eu tiro as minhas forças dele. Porque vejo a força que ele tem para lutar, para viver. Eu entro aqui, ele dá um sorriso para mim, já me dá força para a semana inteira”, diz a mãe, Luane Aparecida Barrios, que largou o emprego de recepcionista para acompanhar o filho no tratamento dos problemas cardíacos.
Gustavo tem uma dilatação no coração. As causas da doença não puderam ser determinadas. Porém, as complicações fazem com que o órgão não tenha capacidade de suprir as necessidades do corpo. Para que o bebê pudesse resistir tempo suficiente para encontrar um doador de coração compatível, foi ligado a um ventrículo artificial, aparelho que ajuda o órgão doente a fazer o bombeamento do sangue.
Foi a primeira vez que uma criança tão nova passou pelo procedimento no Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Universidade São Paulo. O paciente mais jovem submetido ao procedimento até então tinha 15 anos. “Ele é o primeiro bebê, com menos de um ano, em que a gente conseguiu colocar esse coração artificial”, disse a cardiopediatra Estela Azeka em entrevista à Agência Brasil.
“Ele foi piorando, piorando e piorando. Apesar de todos os tratamentos convencionais, não conseguiu melhorar”, ressalta o cirurgião pediátrico Marcelo Jatene, ao comentar como foi tomada a decisão do procedimento. Antes do coração artificial, Gustavo havia sido ligado a um equipamento de suporte respiratório e circulatório, que só podia ser utilizado por no máximo 15 dias.
O coração artificial, de tecnologia alemã, pode ser usado por muitos meses. O equipamento é controlado por um computador e fica do lado de fora do corpo do bebê. “Ele nunca fez um movimento de tirar”, diz, sobre os tubos ligados ao peito e os curativos que protegem a incisão. “Isso me impressionou no cuidado do dia a dia. Essa simbiose em que ele entrou”, acrescenta Filomena.
Coração brasileiro
O tratamento tem, no entanto, alto custo e não é oferecido pelo Sistema Único de Saúde. Segundo Jatene, cada ventrículo artificial custa certa de R$ 200 mil. Essa é uma das razões pela qual o Incor está investindo no desenvolvimento de um coração mecânico infantil com tecnologia brasileira.
O projeto começou em 2002 e, recentemente, os pesquisadores conseguiram as autorizações necessárias para fazer a aplicação clínica do sistema. As implantações pediátricas do equipamento poderão ser feitas a partir de março de 2016. Jatene não sabe qual é o valor do aparelho nacional, mas garante que é “muito mais barato” do que a versão importada.
O sistema poderá ajudar a dar sobrevida às 19 crianças que atualmente esperam por um coração no Incor. Neste ano, a instituição fez 17 transplantes infantis. “A gente é um dos poucos centros que faz transplantes pediátricos no Brasil”, destaca o cirurgião cardiovascular Luiz Fernando Canêo.
O especialista afirma que recursos como coração artificial são fundamentais para tratar os pacientes que aguardam um transplante. “A gente tem que ganhar tempo até conseguir o coração. Para ele chegar a conseguir o coração, tem que estar bem. Com os rins e os outros órgãos bem. Se a gente não der esse tipo de suporte com os equipamentos, a condição vai se deteriorando e o paciente pode morrer”.
Nos últimos anos, segundo Canêo, a demanda por transplantes tem aumentado. Uma das razões disso são os avanços da cirurgia cardíaca, que dá sobrevida aos pacientes. “Na nossa fila, temos muitas crianças que foram operadas no passado e hoje estão precisando de transplante. Isso é um problema, em termos de saúde pública, bastante sério. Porque cada vez mais vamos ter que fazer transplantes e precisar desses dispositivos para ganhar tempo”, acrescenta.
No caso de crianças, a oferta de órgãos é, segundo Estela Azeka, ainda menor do que para adultos. Uma criança como Gustavo, que pesa 5 quilos, poderia receber um coração de um doador de até 15 quilos, ou seja, uma criança de até 2 anos. Nessa faixa etária, as complicações no parto são uma das principais causas de morte, o que tem diminuído ao longo dos anos. “Felizmente, a assistência tem melhorado“, ressalta Estela sobre a redução da mortalidade de recém-nascidos. Por isso, em média, um bebê como Gustavo pode ter de esperar até oito meses para ser transplantado.
Vida no hospital
Enquanto aguarda, uma das maiores diversões do menino é olhar os peixes no aquário do quinto andar do hospital. “A gente está tentando levá-lo pelo menos uma vez por semana. Porque toda vez que a gente vai levar, tem que mobilizar uma equipe”, diz Filomena sobre a operação que precisa ser montada para retirar Gustavo do terceiro piso.
Uma viagem que pode ser arriscada, levando em conta que a bateria do coração artificial dura apenas 40 minutos desconectada da rede elétrica. “Sempre que entro no elevador com ele, fico meio apavorada de haver uma pane”, comenta a médica sobre os receios que envolvem até atividades simples.
Ao se dar conta de todas as dificuldades que o filho enfrentaria, a mãe teve dificuldade de aceitar a situação. “Hoje, estou mais conformada com o transplante. Eu sei que vai salvar a vida dele. No começo não aceitava, sofri bastante. Um ser tão pequeneninho ter que passar por tudo isso”, diz Luane Barrios. “Eu levei dias para botar na minha cabeça que ele realmente precisa de um transplante. Até então, achava que, com a medicação, ele [o coração] iria desinchar e voltar ao normal”.
Sobre o sistema que hoje garante a vida do filho, Luane afirmou que nunca tinha ouvido falar dele. “Esse coração artificial, eu não imaginava que existia”, lembra a mãe, que agora passa os dias ao lado do filho. Ela só sai de perto de Gustavo nos fins de semana, quando o menino fica acompanhado do pai ou do avô. “Você vê que ele não aguenta mais ficar na cama, porque já faz quatro meses que está no hospital”.
Agência Brasil