Nesta sexta-feira (27), a partir das 14h, a Fiscalização Preventiva Integrada na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (FPI do São Francisco) realiza uma audiência pública no auditório do Instituto Federal de Alagoas, campus Palmeira dos Índios, na cidade homônima, para apresentar o balanço do trabalho em defesa do “Velho Chico” e da população dependente de suas águas. Um dos temas abordados no evento será os riscos decorrentes da situação precária de centros de saúde do interior.
A equipe da FPI do São Francisco responsável pela inspeção das unidades passou pelos Centros de Saúde Josefa Barbosa César (Jaramataia), Professor Zerbini (Cacimbinhas) e Doutor Gastão Leão Rego (Estrela de Alagoas). Ela também fiscalizou a Casa Maternal Leonor Paes Ferro (Minador do Negrão), Unidade de Saúde e Maternidade Santina de Alburquerque (Igaci), Hospital Ezechias da Rocha (Major Izidoro) e Hospital Regional Santa Rita (Palmeira dos Índios).
Infiltrações e presença de mofo foram encontradas com facilidade. Havia fissuras nas paredes e tetos, que, tal como os banheiros, instalações elétricas, condicionadores de ar e mobiliário, demonstraram precisar de cuidados urgentes. O Hospital Regional Santa Rita, entregue em 2011, até possui estrutura razoável, mas deposita seus efluentes em sete fossas sépticas, como se fosse uma residência doméstica, e possui um gerador elétrico cuja instalação fere a legislação ambiental.
“Muitas unidades funcionam irregularmente e só não foram interditadas por conta da sua importância social, conforme entendimento do Ministério Público Estadual, pois não possuem licença ambiental. A maior parte delas não tem plano de prevenção/combate a incêndio, plano de gerenciamento de resíduos de serviços de saúde e procedimentos operacionais, normas e rotinas datados e atualizados nas áreas de trabalho”, disse o coordenador da equipe, médico especialista em doenças infecciosas Celso Tavares.
Para piorar, o grupo descobriu que algumas unidades tiveram setores desativados e equipamentos de boa qualidade e de caráter essencial, como um centro cirúrgico novo, estão sem uso, apesar do gasto público que representaram. “A FPI solicitará formalmente às autoridades que esses equipamentos sejam cedidos em regime de comodato às Unidades de Referência, pois lá poderão salvar vidas em vez de se transformarem em sucata brevemente”, destaca.
Chikungunya e contaminação do “Velho Chico”
Durante a inspeção, a FPI do São Francisco observou que os materiais contaminados como seringas, agulhas, lâminas e gazes, capazes de causar sífilis, hepatites B e C e HIV e outros males, são tratados de modo inadequado. De acordo com a fiscalização, funcionárias de algumas unidades lavam as roupas à “mão nua”, expondo-se a riscos de infeccção. Constatou-se ainda prédios com estrutura para incinerar as vestimentas usadas. “Uma prática obsoleta, ineficaz e proibida”, diz Celso Tavares.
A equipe do médico também considera grave o armazenamento de bombonas em locais de fácil acesso, inclusive para crianças. Com frequência, a FPI do São Francisco encontrou material perigoso proveniente dos centros de saúde nos lixões de diversos municípios. O armazenamento de água das unidades contraria todos os códigos vigentes, com cisternas antigas, mal conservadas, por vezes, sem tampa. Numa delas, foi encontrada uma iguana morta, em plena putrefação, além de sapos, baratas e aranhas.
“Esses animais urinam e defecam nesses reservatórios. Numa das unidades, a cisterna e um tanque sintético destampado estão localizados em pleno passeio público, uma situação inimaginável. É impossível não registrar que essas cisternas e caixas d’água constituem excelentes criadouros para o Aedes aegypti, mosquito transmissor do Dengue, Zika e Chikungunya e que essas cidades enfrentam sérios problemas com essas doenças”, destaca o médico.
Para a equipe de centros de saúde, o destino dos efluentes, assim como dos resíduos sólidos, preocupa porque eles são despejados em qualquer lugar, contaminando o lençol freático e os afluentes do São Francisco. Segundo o grupo, cabe ao Estado, nas suas diversas instâncias, constituir consórcios e construir estações para receber e tratar esses efluentes, a exemplo do que vem ocorrendo com os matadouros.
Diante da precariedade do quadro e da importância social dos centros de saúde, a principal medida adotada pela FPI do São Francisco foi a orientação. Em algumas situações foram feitas notificações e emitidos autos de infração nos casos mais graves.
Melhorias passam por regulação e eficácia
No país, há legislação suficiente para nortear a construção, reforma e funcionamento de unidades de Saúde, que deve ser obedecida pelo gestor ou profissional competente. Para a FPI do São Francisco, as irregularidades do hospital de Palmeira dos Índios mostram que nem sempre a reforma é a solução.
“Assim como foi constatado na etapa anterior da FPI, quando fiscalizamos municípios sertanejos, a maioria das unidades não possui resolutividade, exigindo o translado dos pacientes para cidades maiores. A solução do problema é conhecida e tem a ver com definições politicas. Técnica e administrativamente temos manuais, tratados e profissionais disponíveis para concretizá-la. É impossível a manutenção da rede assistencial nos moldes vigentes, considerando as doenças que nos afligem”, considera Celso Tavares.
“Como pode um município fazer frente a uma epidemia que gera uma demanda de 1,0 a 1,5% da população diariamente? Isso ocorreu recentemente num desses municípios. Considerando a seca, o problema do abastecimento de água e do destino dos esgotos uma preocupação é que ocorra uma epidemia de Cólera, como em 1991, o que determinaria uma catástrofe, pois como no dengue grave, a diferença entre a vida e a morte podem ser 10 minutos numa fila”, completou o médico, demonstrando preocupação com a oferta de serviços de saúde, a segurança dos pacientes e servidores e o impacto das ações das unidades no meio ambiente, da qual faz parte o Rio São Francisco.
Junto ao médico convidado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, integram a equipe representantes do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA), Secretaria de Estado de Saúde (Sesau), Batalhão de Policiamento Ambiental (BPA), Ministério Público do Estado de Alagoas (MPE/AL) e o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Alagoas (Crea/AL).
Assessoria