Dois anos depois de ter chegado ao Brasil, omédico português Raul dos Reis Ramalho, de 68 anos, conta que teve que lidar com a desconfiança dos moradores do bairro de Nova constituinte, em Salvador, durante seus primeiros atendimentos. A experiência é parecida com a de outros profissionais estrangeiros que desembarcaram no país em 2013, como o espanhol Rafael de Quinta Frutos e o cubano Raul Hernandez.
Atualmente, 71% dos profissionais do Mais Médicos são estrangeiros ou formados no exterior. Dos 18.240 médicos do programa, 11.429 são cubanos – contratados por meio de um convênio com a Organização Pan-americana da Saúde (Opas) – e 1.537 têm diplomas de outros países.
No caso de Ramalho, a desconfiança se dissipou logo nos primeiros dias, quando a população reconheceu nele um perfil diferente de médico. “Os pacientes se dirigiam a mim e diziam que, pela primeira vez, conheceram a cor dos olhos de um médico. Isso me marcou muito. Criamos aqui a empatia de olhar nos olhos, de tocar. Antes, isso não ocorria”, conta.
Ramalho tem uma filha na Bahia e viu o programa como uma oportunidade para ficar perto dela e de amigos e continuar trabalhando (em Portugal, já era aposentado). Logo quando chegou ao Brasil, em entrevista ao G1, disse que o valor da bolsa não era preponderante, porém pesou para ele o fato de não ter recebido reajuste salarial ao longo desses dois anos. “Não viemos por questão de salário. Quando viemos, entretanto, o Brasil ainda estava em fase ascendente. A minha expectativa era de que isso se mantivesse. Nunca pensei que veria essa inflação galopante”, diz.
Preconceito dos colegas
Para o espanhol Rafael Quinta Frutos, a maior desconfiança que sofreu foi por parte dos colegas médicos. Segundo ele, que atende em Baía da Traição, na Paraíba, os médicos dos hospitais não executam aos pedidos de exame que ele faz. “Se no laudo eu indico um exame, eles dizem que não precisa”, diz.
Além do preconceito dos colegas, Frutos conta ter se decepcionado porque achava que poderia passar sua experiência para os médicos brasileiros durante seu período no país, o que não tem ocorrido. Logo quando chegou ao Brasil, disse ao G1 que considerava que o cruzamento de cultura e ideias seria muito enriquecedor. “Eu comentava que os brasileiros eram inteligentes porque iam aprender com a experiência de gente formada no exterior, em países mais desenvolvidos, mas isso não aconteceu. A gente veio para atender pessoas e só.”
Ele vê seu trabalho na comunidade como fundamental. “Estamos tirando muita dor das pessoas, pessoas que não têm possibilidade econômica nem para fazer um exame de sangue.”
Já o médico cubano Raul Hernandez foi afetado pela polêmica envolvendo a vinda dos médicos cubanos ao Brasil: alguns moradores de São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte, tinham receio de serem atendidos por ele no começo. Hoje, o descrevem como atencioso, simples e cuidadoso.
“Ele é mais cuidadoso, conversa com a gente. Tem médico que parece que tem preconceito com a gente porque a gente é pobre. O doutor Raul não. Ele trata a gente bem. Se ele for embora eu vou sentir muita falta”, diz a dona de casa Ana Maria Almeida, de 30 anos.
Desistências
Ao todo, houve 436 desistências do Mais Médicos, 75 entre os médicos cubanos e 361 entre brasileiros e estrangeiros. Um dos desistentes foi o uruguaio Gabriel Yacovazzo Belino, que atendia na cidade de Torres, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Ao chegar ao Brasil, ele disse que vinha pela “possibilidade de exercer a medicina e ajudar a população”, mas acabou ficando só seis meses.
“Não sei por que ele saiu. Ficou pouquinho tempo em Torres”, diz a enfermeira Josiane de Matos, coordenadora do posto de saúde onde o uruguaio trabalhava.
* Colaboraram: Fernanda Zauli (G1 RN), Henrique Mendes (G1 BA), Krystine Carneiro (G1 PB) e G1 RS
Fonte: Portal G1 – Bem Estar