No livro Brazil Under the Workers’ Party: From Euphoria to Despair (Brasil sob o PT: da Euforia ao Desespero, em tradução livre), publicado pelo Latin American Bureau no início do mês, as jornalistas Sue Branford e Jan Rocha traçam um retrato desalentador do partido, a quem acusam de ter se preocupado em demasia com sua permanência no poder.
Branford, durante anos especialista da BBC em assuntos latino-americanos, argumenta que uma derrota eleitoral em três anos pode ser uma “bênção disfarçada” para o PT, uma chance de o partido repensar seus rumos e se reconectar com suas raízes ideológicas, uma tarefa nada fácil.
“Entrevistamos membros fundadores do PT e eles mesmos expressaram dúvidas sobre a capacidade de recuperação do partido. Essa crise é séria não apenas para o PT, mas para a esquerda brasileira”, avalia a britânica.
Ela e Rocha, colaboradora da BBC e do jornal The Guardian no Brasil, são contundentes na análise da ascensão do PT ao poder. Embora definam como necessário o jogo de alianças com partidos ideologicamente opostos, as britânicas criticam a direção escolhida após o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.
“O PT no primeiro mandato de Lula foi imenso, especialmente no que diz respeito à redução dos níveis de pobreza no Brasil”, diz Rocha. “Mas o partido acabou simplesmente curtindo demais o poder, o que é até compreensível para quem jamais o tinha ocupado.”
“O PT perdeu o foco, que era o de trazer as mudanças prometidas como alternativa à política tradicional no Brasil. Mesmo a política econômica ficou aquém das reformas que eram necessárias para que o país agora não se visse em situação ruim, o que só piora a questão política”, diz Rocha.
Lula e o que ‘deu errado’
Lula recebe atenção especial de Branford e Rocha na análise do que “deu errado”. Se elogiam a transformação do ex-presidente – de figura temida pelas elites a estadista -, as jornalistas revelam decepção com sua atuação na articulação política.
“O PT tinha um problema grave para governar. Era um partido minoritário que precisava ter controle do Legislativo em um sistema político altamente corrupto”, analisa Branford. “O compromisso era necessário, mas o PT também tinha a chance de continuar lutando por mudanças, sobretudo usando os movimentos sociais, para enfrentar problemas também como a corrupção. Mas terminou negando suas origens”.
O estrago na imagem do PT, na opinião das jornalistas, pode ter sido grave o suficiente para danificar seriamente as chances de uma possível candidatura de Lula à Presidência em 2018.
“Lula perdeu parte de seu brilho, de seu poder”, completa Branford.
Rocha aponta para o que classifica como um vácuo no partido: a ausência de uma alternativa forte que tenha uma imagem desvencilhada do desgaste de Lula e Dilma Rousseff ou que represente uma “reinvenção” do PT.
Rocha diz achar improvável o surgimento de uma nova liderança mais associada às origens esquerdistas do partido – nos moldes do que ocorreu com o Partido Trabalhista britânico, que escolheu o “azarão” Jeremy Corbyn como novo líder -, mas elogia o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.
“Haddad é um nome prestigiado, mas não o vejo com um apelo nacional forte o suficiente. Sobretudo porque um dos principais problemas é enfrentar uma mídia que, no Brasil, tem um forte sentimento anti-PT. O escândalo de corrupção da Petrobras, por exemplo, tem praticamente todos os partidos envolvidos, mas a mídia tem se concentrado no envolvimento do PT”.
Para as autoras, embora a direita tenha sido derrotada na eleição presidencial, ela agora se mostra “mais poderosa e perigosa que nunca”. Branford e Rocha veem o Congresso como o principal problema político para o segundo mandato de Dilma e criticam a aliança do PT com o PMDB.
No entanto, acreditam que a guinada do Legislativo à direita pode acabar dando um impulso ao processo de recuperação do partido.
“Muitos brasileiros acreditam que o Congresso não está fazendo o trabalho que deve e que o país precisa de uma reforma política”, escrevem as britânicas.
Mesmo assim, a visão das jornalistas do futuro do PT é pessimista.
“O PT perdeu muito de sua legitimidade por ter perdido a chance de fazer reformas mais profundas na sociedade brasileira. Não há mais a imagem de partido ético e é bem possível que a alternativa para o futuro da esquerda brasileira esteja em outro movimento político de esquerda”, acredita Branford.
“Não sabemos se o PT vai se recuperar de tudo o que aconteceu nos últimos anos”.
Fonte – BBC Brasil